Alzheimer: artigo do portal Medicina Atual traz tudo sobre a doença

artigo sobre Alzheimer

Assim como outros meses, fevereiro também possui suas cores características relacionadas a campanhas que reforçam a importância do cuidado com saúde, sobretudo no diagnóstico inicial de doenças que podem ser tratadas mais facilmente em seus estágios iniciais.

Neste intuito, a Campanha Fevereiro Roxo tem como objetivo reforçar a importância da conscientização sobre lúpus, alzheimer e fibromalgia. Aproveitando essa data especial, o Revisamed traz um artigo sobre o Alzheimer abordando os principais pontos da doença.

Leia todo conteúdo e, logo em seguida, aproveite o Caderno Digital de perguntas e respostas sobre o tema do Revisamed. Ótimos estudos!

A seguir, você vai saber:

O que é Alzheimer?

Alzheimer é a doença neurodegenerativa mais frequente da espécie humana, conhecida por causar problemas na memória. Nos estágios avançados, impede a pessoa de exercer suas atividades diárias, se comunicar e reconhecer os outros. Mas como fazer o diagnóstico? Como prevenir?

Essas e outras questões você vai conferir no artigo do médico neurologista e professor adjunto da Faculdade Suprema, Dr. Marcos Moreira. Publicado no portal Medicina Atual, o texto informa sobre as principais tópicos da enfermidade e formas de tratamento.

Apesar de comum, disfunções como Alzheimer têm ganho espaço nas pesquisas acadêmicas e nas provas de Residência. Se você é médico ou estudante de Medicina e se interessa por Neurologia e Neurocirurgia, não pode deixar essa oportunidade passar.

Introdução

A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa progressiva com grande relevância epidemiológica e significante impacto social. É a causa mais comum de comprometimento cognitivo ou demência em indivíduos com mais de 65 anos e, com o aumento da longevidade, é prevista uma pandemia mundial de comprometimento cognitivo associado à DA.

A DA tem uma prevalência de cerca de 5% em indivíduos acima de 65 anos e de até 30% naqueles com mais de 85 anos. Cerca de 5% dos pacientes com DA apresentam sintomas antes dos 65 anos, o que é, convencionalmente, denominado de DA de início precoce.

A DA é a sexta causa de morte nos Estados Unidos e a única entre as 10 principais causas que ainda está aumentando significativamente. A expectativa média de vida do paciente com DA, após o início dos sintomas, tende a ser de 10 a 12 anos. A DA se desenvolve como resultado de múltiplos fatores, e não de uma única causa. O Quadro 1 apresenta os principais fatores de risco para a DA e outras demências.

A DA é uma proteinopatia dupla de padrão generalizado, mas regionalmente específico, de placas beta-amiloides (Aß) neuríticas e difusas intraparenquimatosas e emaranhados neurofibrilares inicialmente intracitoplasmáticos, depois extracelulares, com perda sináptica, perda neuronal e gliose.

Emaranhados neurofibrilares consistem em depósitos intracelulares (depois extracelulares) de proteína tau hiperfosforilada, uma proteína estabilizadora de microtúbulos. As alterações patológicas relacionadas à DA, de modo geral, coexistem com uma ou mais patologias, particularmente lesão cerebral isquêmica vascular e demência com corpos de Lewy.

A genética da DA é complexa e parcialmente compreendida. O risco de DA atribuível a fatores genéticos é estimado em 70%. A DA autossômica dominante familiar é rara (<1% dos casos), geralmente, se manifesta na DA de início precoce (<4% dos pacientes com DA) e é causada por mutações na presenilina 1, proteína precursora de amiloide ou presenilina 2.

A DA de início tardio ou esporádica (idade de início ≥65 anos) é mais comum, sendo identificadas mais de 20 variações genéticas que contribuem para aumentar ou diminuir o risco de DA. O principal gene de risco ou suscetibilidade na DA esporádica envolve a apolipoproteína-E (APOE). Os alelos APOE-ε4 estão associados à deposição acelerada de Aß, início precoce e maior risco de desenvolver sintomas de DA.

No entanto, não é recomendado fazer a genotipagem de APOE-????4 na prática clínica em pacientes com demência ou mesmo em pessoas que queiram saber seu risco de desenvolver DA no futuro. Sabe-se que até 75% das pessoas com um alelo ε4 não desenvolvem DA, e até 50% das pessoas diagnosticadas com DA não apresentam o alelo ε4.

Apesar de o diagnóstico da DA permanecer clínico, há um entendimento crescente de que biomarcadores desempenham um papel importante na definição clínico-patológica da doença.

De acordo com Knopman e cols., a identificação do processo patogênico da DA, através de testes laboratoriais de biomarcadores do líquido cefalorraquidiano (LCR), no sangue, ou mesmo por meio de métodos de neuroimagem molecular, permite inferir a etiopatogenia da doença subjacente. As novas diretrizes do National Institute on Aging (NIA) e da Alzheimer’s Association (AA), dissociam os sintomas ou fenótipos de DA do processo patológico.

O gerenciamento do tratamento da doença de Alzheimer é multifatorial. Um primeiro passo envolve uma revisão completa dos medicamentos e suplementos para eliminar redundâncias e substâncias potencialmente deletérias.

No Brasil, as drogas atualmente aprovadas para o tratamento da DA e incorporadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) são os inibidores das colinesterases – IChE – (donepezila, galantamina e rivastigmina) e um antagonista do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA) do glutamato (memantina). Essas drogas fornecem benefícios modestos, porém significativos, mitigando os sintomas e retardando a incapacidade do paciente.

Doença de Alzheimer ou Demência?

Muitas pessoas buscam saber qual é a diferença entre a doença de Alzheimer e a demência. A demência, também chamada de transtorno neurocognitivo maior, segundo a American Psychiatric Association (APA), é um termo geral para um grupo específico de sintomas. A demência tem muitas causas, sendo que a DA é a causa mais comum de demência. O comprometimento cognitivo leve (CCL), também chamado de transtorno neurocognitivo leve, segundo a APA, é definido como uma condição clínica entre o envelhecimento normal e a demência.

McKhann e cols. ponderam que a demência, ou síndrome demencial, é definida a partir de sintomas cognitivos e comportamentais que interferem em atividades de vida diária (AVD), levando o indivíduo a um declínio funcional (ocupacional, doméstico ou social) em relação a níveis prévios, não explicáveis por um estado confusional agudo de causa orgânica (delirium) ou transtorno psiquiátrico maior. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a demência é considerada uma das condições clínicas mais devastadoras do mundo.

A demência é uma síndrome heterogênea que pode ser causada por várias condições médicas, sobretudo neurológicas. Uma forma clássica de caracterizar a demência é dividi-la em duas categorias: neurodegenerativas (também chamadas de irreversíveis) e não neurodegenerativas ou secundárias (potencialmente reversíveis). Apesar de útil, essa dicotomia apresenta problemas. Por exemplo, pacientes com demência podem ter, e em geral têm, doenças neurodegenerativas e não neurodegenerativas, que respondem, cumulativamente, pelo comprometimento cognitivo. O Quadro 2 mostra as principais causas de demência.

Critérios diagnósticos de demência de qualquer etiologia

O diagnóstico de demência deve ser realizado por meio da anamnese e de uma avaliação cognitiva ou neuropsicológica, que demonstrem prejuízo em pelo menos dois dos seguintes domínios cognitivos:


a. Memória, caracterizada pelo comprometimento da capacidade para adquirir e evocar informações novas e recentes. Os sintomas incluem: repetição das mesmas perguntas ou assuntos; esquecimento de eventos, compromissos, lugar onde guardou seus pertences ou de percursos e rotas habituais;

b. Função executiva, caracterizada pelo comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas e do julgamento; compreensão pobre de situações de risco; redução da capacidade para cuidar das finanças; redução da capacidade de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou sequenciais;

c. Habilidade visuoespacial, caracterizada pela incapacidade de reconhecer faces ou objetos comuns; desorientação; incapacidade de encontrar objetos no campo visual; dificuldade para manusear utensílios; dificuldade para vestir-se. Esses sintomas não podem ser explicáveis por deficiência visual ou motora;

d. Linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita), caracterizada pela dificuldade para encontrar e/ou compreender palavras; erros ao falar e escrever, com trocas de palavras ou fonemas e hesitações. Esses sintomas não podem ser explicáveis por déficit sensorial ou motor.

e. Personalidade, comportamento e conduta, caracterizados por alterações do humor; labilidade e flutuações incaracterísticas; agitação, apatia, desinteresse, isolamento social; perda da empatia e desinibição; comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis.

O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado por uma combinação de: (a) uma história obtida do paciente e de um informante que o conheça bem e (b) uma avaliação cognitiva objetiva, seja um exame do estado mental pelo clínico (à beira do leito) ou uma avaliação neuropsicológica mais completa. Essa avaliação deve ser realizada quando a anamnese e o exame do estado mental à beira do leito não puderem fornecer um diagnóstico confiável. Além do diagnóstico, a avaliação cognitiva pode determinar a gravidade da doença e auxiliar na definição de sua etiologia.

O miniexame do estado mental (MEEM) continua sendo uma ferramenta útil para rastrear e avaliar a gravidade da demência, embora seja, provavelmente, menos informativo em algumas populações, como idosos com alto desempenho intelectual e pessoas com baixa escolaridade. A Avaliação Cognitiva de Montreal, ou do inglês Montreal Cognitive Assessment (MoCA), oferece uma avaliação mais ampla dos domínios cognitivos, sendo mais sensível do que o MEEM para a detecção do CCL e no diagnóstico precoce de demências neurodegenerativas. Todavia, há alguns problemas com a utilização da avaliação MoCA no Brasil: escassez de estudos validando a pontuação por escolaridade; limitado conhecimento no estadiamento da progressão de demências; e baixa utilização em ensaios clínicos, sobretudo na DA. Testes adicionais, incluindo avaliação neuropsicológica ampla, podem ser úteis nos casos em que testes de triagem ou impressão clínica são ambíguos.


Espectro Clínico da Doença de Alzheimer

O diagnóstico da demência da doença de Alzheimer permanece sendo eminentemente clínico, segundo as diretrizes do NIA-AA (Quadro 3). A progressão da DA com alterações cerebrais imperceptíveis para a pessoa afetada para a DA com alterações cerebrais que causam distúrbios cognitivos é chamada de continuum da doença de Alzheimer. Nesse continuum, há três fases: DA pré-clínica, CCL associado à DA e a demência da DA. A demência da DA pode ser subdividida em leve, moderada e grave, segundo a AA.

Quadro 4 apresenta a caracterização das diferentes fases da demência da DA. Embora saibamos que o continuum começa com a DA pré-clínica e termina com demência grave, o tempo que os indivíduos passam, em cada fase do continuum, é variável. A duração de cada fase do continuum é influenciada pela idade, pela genética, pelo gênero e por outros fatores.

As alterações neurobiológicas da DA começam muito antes do início dos primeiros sintomas. Os biomarcadores podem ser muito importantes para o diagnóstico de DA nos estágios iniciais devido a apresentações clínicas oligossintomáticas ou mesmo na ausência de sintomas em indivíduos cognitivamente saudáveis, que, porventura, possam se beneficiar de intervenções modificadoras da doença quando estas estiverem disponíveis. O papel dos biomarcadores também difere um pouco em cada uma das fases da doença, estabelecendo alterações patológicas na DA pré-clínica e funcionando como um recurso complementar à avaliação clínica nas fases de CCL e demência.

A transição entre o envelhecimento cognitivo saudável e as primeiras manifestações de demência tem sido uma área de grande interesse. Definir os pontos iniciais de cada etapa do processo de deterioração clínica é um desafio. Entre pacientes com CCL, uma análise mostrou que, após dois anos de seguimento, 15% dos indivíduos com mais de 65 anos desenvolveram demência.

Cerca de 32% dos indivíduos com CCL desenvolveram demência da DA nos cinco anos seguintes. Estudo evidenciou que, entre indivíduos com CCL que foram rastreados por ≥ 5 anos, 38% desenvolveram demência; no entanto, em alguns indivíduos, o CCL volta à cognição normal ou permanece estável. Identificar os indivíduos com CCL que têm maior probabilidade de desenvolver DA ou outras demências é um dos principais objetivos da pesquisa atual.

As novas diretrizes do NIA-AA para pesquisa clínica, propostas por Knopman e cols. em 2018, unificaram as três fases da DA (pré-clínica, CCL e a demência). As novas recomendações para o diagnóstico de DA são caracterizadas por um sistema baseado na avaliação da presença de biomarcadores no LCR e da neuroimagem molecular, sendo esse conhecido como o sistema ATN.


O sistema ATN e o estadiamento biológico da doença de Alzheimer

O sistema ATN representa um conceito baseado nas observações empíricas da última década sobre as relações entre marcadores de amiloide (“A”), tau (“T”) e neurodegeneração (“N”). O Quadro 5 apresenta o sistema ATN. Uma grande motivação para o desenvolvimento do sistema ATN é o reconhecimento de que os biomarcadores refletem os principais marcadores de diagnóstico da DA.

Esse novo sistema de classificação agrupa todos os principais biomarcadores de DA pelo processo patológico que cada um representa, sendo que os resultados são dicotomizados em positivo ou negativo (como, por exemplo, A+T-N+). Essas recomendações criam uma linguagem comum com a qual os pesquisadores podem caracterizar as alterações patológicas observadas em sujeitos de pesquisa diagnosticados com DA e facilitar a seleção de sujeitos para ensaios intervencionistas.

Knopman e cols. destacam que os problemas contínuos de inconsistências na nosologia clínica deveriam ser revisados, delineando dois esquemas categóricos de estadiamento clínico. Primeiro, um esquema de estadiamento cognitivo sindrômico, que compreende três categorias: cognitivamente saudável, CCL e demência (subdividida em leve, moderada e grave). E segundo, um esquema de estadiamento numérico que se aplica àqueles no continuum da DA e que substitui os rótulos sindrômicos tradicionais por seis estágios, que estão demonstrados no Quadro 6.

Recentemente, Palmqvist e cols. avaliaram o papel da P-Tau217 plasmática como um marcador diagnóstico para DA. Em uma amostra de 1402 participantes de três coortes selecionadas, a P-Tau217 plasmática discriminou a DA de outras doenças neurodegenerativas, com uma precisão significativamente maior do que os biomarcadores tradicionais baseados em achados da IRM, e seu desempenho não foi significativamente diferente das principais medidas baseadas em LCR ou PET. No entanto, outros estudos são necessários para otimizar os resultados, validar os achados em populações diferentes e não selecionadas e determinar seu papel potencial na prática clínica.


Correlação entre os biomarcadores da doença de Alzheimer e a função cognitiva

Estudos recentes demonstraram, de forma consistente, que pacientes com DA exibem uma diminuição da Aβ42 e um aumento de tau e tau fosforilada (P-tau) no LCR, quando comparados a controles saudáveis. Esses estudos confirmam que cada um desses biomarcadores diferencia pacientes com DA de controles pareados por idade com até 90% de sensibilidade e especificidade.

Skillbäck e cols. evidenciaram que os níveis de Aβ42 no LCR são cerca de 50% menores em pacientes com DA do que em pessoas saudáveis pareadas por idade. A agregação de proteína Aβ42 em placas amiloides e a consequente redução de sua disponibilidade no LCR são os mecanismos sugeridos para explicar a redução dos níveis de Aβ42 no LCR de pacientes com DA. Porém, esse achado não é suficiente para um diagnóstico etiológico de DA, visto que pode ocorrer redução dos níveis de Aβ42 em outras doenças, tais como demência por corpos de Lewy, demência vascular e angiopatia amiloide cerebral. Associação de Aβ42 com tau ou P-tau melhora a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico da DA em comparação a qualquer um dos marcadores isoladamente.

É imperativo que os biomarcadores possam ser incorporados como exames complementares no diagnóstico e acompanhamento de pacientes com o espectro clínico da DA. O papel desses marcadores torna-se fundamental nas seguintes situações: (a) em indivíduos com CCL que desejem saber a etiologia do diagnóstico (se é devido ou não à DA); (b) nas apresentações atípicas de DA e em casos difíceis de diagnóstico diferencial com outras demências; (c) nos pacientes com DA de início precoce; (d) nas demências rapidamente progressivas; e (e) em pacientes nos quais uma avaliação abrangente seja inconclusiva. Cabe ressaltar que, nos casos relativamente típicos, uma abordagem individualizada da história, exames laboratoriais selecionados e neuroimagem convencional podem fornecer um diagnóstico confiável. Vale lembrar que nenhum biomarcador ou teste neuropsicológico pode fornecer, diretamente, o diagnóstico clínico de DA. O diagnóstico requer, necessariamente, a caracterização dos sintomas e do nível de comprometimento cognitivo e funcional por meio de uma avaliação clínica.


Abordagem Terapêutica da doença de Alzheimer

O gerenciamento da doença de Alzheimer requer o estabelecimento de metas compartilhadas e uma parceria entre o médico, o paciente e os cuidadores. Além disso, deve ser dinâmico, multifatorial e multidisciplinar. O gerenciamento da DA envolve: (a) diagnóstico preciso e precoce dos sintomas, combinados com um plano de atendimento personalizado proativo para o paciente e seu cuidador; (b) intervenções não farmacológicas e abordagens comportamentais; (c) tratamento farmacológico apropriado; e (d) ajuste dinâmico e pragmático do plano de cuidados de acordo com as mudanças nas metas e nos recursos do paciente e seu cuidador. Isso facilita uma aliança terapêutica continuada, contribuindo para a adesão, bem-estar e segurança do paciente e do cuidador. Os cuidadores são fundamentais para o sucesso do plano de cuidados.

O paradigma atual do tratamento da DA é a abordagem dinâmica dos sintomas e a redução do declínio clínico em longo prazo. Em primeiro lugar, a abordagem do paciente deve envolver a revelação sincera e compassiva do diagnóstico, de acordo com os desejos e as capacidades do paciente e seus familiares. Concomitantemente, faz-se necessário realizar uma psicoeducação personalizada a respeito da doença e um esclarecimento sobre o nome e o estadiamento da doença, o curso esperado, as opções de tratamento, as expectativas e necessidades de planejamento de vida e de assistência. Abordagens não farmacológicas ou comportamentais devem ser recomendadas com base nas prioridades, nas preferências, nas limitações, nos recursos e na ambientação do paciente e do cuidador.

Estudos recentes evidenciaram que, durante o curso de sua doença, 85% a 90% dos pacientes apresentaram sintomas neuropsiquiátricos ou comportamentos problemáticos, como sintomas não-cognitivos comportamentais e sintomas psicológicos e comportamentais da demência (SPCD), que estão associados a um declínio cognitivo mais rápido, institucionalização precoce, maior sofrimento, pior qualidade de vida, maior utilização dos serviços de saúde e gastos financeiros mais elevados. Intervenções não farmacológicas e estratégias comportamentais devem ser usadas como primeira linha de tratamento para melhorar sintomas neuropsiquiátricos (por exemplo, agitação, apatia, delírios e desinibição) e comportamentos problemáticos (por exemplo, resistência aos cuidados, comportamento de “sombra” ou de perseguição ao cuidador, transtorno de acumulação e comportamentos obsessivo-compulsivos) na DA. Os comportamentos problemáticos são angustiantes para pacientes e cuidadores e, se não forem tratados, cobram um preço devastador e levam a resultados insatisfatórios.

Somente após a consolidação das bases fundamentais do gerenciamento do tratamento, um plano de terapia farmacológica apropriada deve ser instituído. O tratamento atual da doença de Alzheimer se baseia no declínio da acetilcolina que existe na doença, secundário ao acometimento e à perda neuronal no núcleo basal de Meynert e à perda de receptores nicotínicos. O aumento da acetilcolina, na fenda sináptica, é conseguido pela diminuição da sua degradação através da inibição das colinesterases. No Brasil, três drogas inibidoras das colinesterases (IChE) são fornecidas pelo Ministério da Saúde: donepezila, rivastigmina e galantamina. Essas drogas possuem o mesmo perfil de segurança e eficácia, sendo indicadas nas fases leve e moderada da DA, como demonstrado nos ensaios clínicos. Recentemente, houve a aprovação da donepezila e da rivastigmina pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador de medicamentos nos Estados Unidos, para o tratamento de pacientes com DA grave. Em relação ao sistema glutamatérgico, sabe-se que o glutamato é o neurotransmissor excitatório mais abundante do sistema nervoso central, fundamental para a memória e o aprendizado. Assim, por ser um antagonista de receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), a memantina foi a primeira droga aprovada para uso na fase moderada e grave da DA, sendo também fornecida pelo Ministério da Saúde.

Os IChE e a memantina possuem mecanismos de ação complementares, efeitos potencialmente aditivos e demonstram perfis aceitáveis de tolerabilidade e segurança. Embora não alterem o curso geral do declínio, essas drogas podem melhorar os sintomas cognitivos e comportamentais por períodos de seis meses a vários anos.


Prevenção primária da doença de Alzheimer e outras demências

O controle de fatores de risco para demência (prevenção primária) tem um grande impacto na incidência. Há evidências de que uma redução na frequência de fatores de risco tem um impacto potencial na prevalência de demência. Livingston e cols. demonstraram que 40% dos casos de demência, provavelmente, poderiam ser evitáveis ao abordar 12 principais fatores de risco modificáveis: hipertensão arterial sistêmica (HAS), obesidade e diabetes, depressão, perda auditiva, inatividade física, tabagismo, isolamento social, baixa educação formal (< 12 anos; incluindo a educação infantil e o ensino fundamental), ingestão excessiva de álcool, lesão cerebral traumática e poluição do ar. As intervenções preventivas na meia-idade (de 40 a 65 anos) incluem o tratamento de perda auditiva, HAS (pressão arterial sistólica ≤130 mmHg), obesidade, consumo excessivo de álcool (<21 unidades/semana) e a prevenção de injúria cerebral traumática. As intervenções no final da vida (após os 65 anos) incluem a cessação do tabagismo, o tratamento da depressão, a atividade física, o combate ao isolamento social, o tratamento do diabetes e menor exposição à poluição do ar. Enfatiza-se que uma educação formal mais baixa na infância aumenta o risco de demência e não há evidências de proteção adicional após o ensino médio.


Considerações Finais

A alta prevalência de DA e seu grande impacto na capacidade funcional dos indivíduos afetados enfatizam a necessidade de desenvolver terapias mais eficazes, capazes de interromper ou retardar a progressão do processo degenerativo e melhorar os sintomas da doença. A caracterização do sistema ATN de biomarcadores é a evidência de um conceito mais amplo do processo patológico da doença. O impacto dessa nova percepção, nos estudos com biomarcadores e desenvolvimento de medicamentos, é evidente.

No entanto, os ensaios clínicos ainda enfrentam muitos desafios. Identificar o melhor alvo molecular e desenvolver protocolos adequados para avaliar os resultados da intervenção, usando biomarcadores de DA como parâmetros de avaliação primários, são estratégias necessárias para resolver esses desafios. Atualmente, o principal objetivo do diagnóstico de DA pré-clínica com biomarcadores é possibilitar uma intervenção terapêutica precoce. As consequências da divulgação de um diagnóstico de DA, baseado na presença de biomarcadores, em um indivíduo clinicamente assintomático, ainda não são totalmente compreendidas, seja no contexto de pesquisa ou da prática clínica. Contudo, uma mudança de paradigma no diagnóstico da doença de Alzheimer, com a incorporação de biomarcadores sanguíneos, liquóricos e de neuroimagem molecular, já está se tornando uma realidade na rotina da prática clínica.

Quadro 1.
Fatores de risco para a doença de Alzheimer e outras demências (Atri, 2019)

ModificáveisNão modificáveis
Fatores vasculares:diabetes mellitushipertensão arterialdislipidemiasíndrome metabólica e obesidadetabagismo Baixa atividade físicaHipoperfusão cerebral ou doença cerebrovascular DepressãoIsolamento social Lesão cerebral traumática (grave)Perda auditiva Baixa reserva cognitivaReserva cognitiva é a capacidade do cérebro de manter a função cognitiva, apesar de dano ou doença neurológica. Baixa reserva cognitiva está relacionada a fatores de risco sociais como baixo nível educacional, ausência de atividades cognitivas e de lazer, baixo nível socioeconômico causando transtornos do desenvolvimento cerebral na fase gestacional e nos primeiros anos de vida (desnutrição, exposição a doenças e falta de estímulo cognitivo adequado).Idade Gênero (mulheres>homens): controversoHistória familiar (parentes de 1º grau ou 2º grau ou de múltiplas gerações) Raça (afro-americanos e hispânicos > brancos) – provavelmente devido a uma combinação de fatores genéticos, disparidades de saúde e fatores socioeconômicos.Síndrome de Down Portadores do alelo da apolipoproteína (APOE)-????4Amiloidose cerebral: biomarcador positivo de processo patológico da doença de Alzheimer (provável)

Quadro 2.
Principais causas de síndromes de comprometimento cognitivo e demência

Causas NeurodegenerativasCausas Secundárias
Doença de Alzheimer (incluindo fenótipos mais raros como a atrofia cortical posterior; variante frontal da DA; variante logopênica da APP; síndrome corticobasal) Demência mista (DA com patologia vascular concomitante)Demência com corpos de LewyDemência na doença de ParkinsonDegeneração lobar frontotemporal (incluindo a DFTvc; APP (não fluente e a fluente ou demência semântica; síndrome da PSP; complexo DFT-ELA)Degeneração corticobasal (incluindo fenótipos clínicos como a síndrome corticobasal; variante não fluente ou agramática da APP; síndrome da PSP e a síndrome comportamental-espacial frontal).Atrofia de múltiplos sistemasDoença de HuntingtonDoença de WilsonAtrofia dentatorubral-palidolusianaEncefalopatia traumática crônicaDoenças priônicas (doença de Creutzfeldt-Jakob, insônia familiar fatal)Demência relacionada à esclerose múltiplaTaupatia primária relacionada à idadeLATE (formalmente conhecida por esclerose hipocampal)Doença com grãos argirofílicosAngiopatia amiloide cerebralCADASILDoença do neurônio motor (ELA; esclerose lateral primária)Demência vascular*Parkinsonismo vascularHematoma subdural subagudo e crônicoHidrocefalia de pressão normalInsuficiência respiratória crônica, ICC, SAOS, e condições hematológicas como anemia falciformeHipotireoidismo, hipertireoidismo grave ou tireoidite autoimune, IRC, malnutrição, síndrome de Cushing, insuficiência hepática, hipoparatireoidismoEncefalopatia de HashimotoEncefalite anti-VGKCEncefalites autoimunes paraneoplásicas como anti-NMDAr, anti-Yo, anti-Ri, anti-HuDepressão e transtorno bipolarTumores cerebraisHAND, sífilis, LEMP, doença de Whipple, meningite criptocócicaCausas tóxicas (chumbo, arsênico, bismuto, manganês, mercúrio, pesticidas organofosforados)Demência relacionada ao álcoolDrogas (benzodiazepínicos, barbitúricos, opioides, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, anticolinérgicos, lítio e tratamento quimioterápico)Vasculite primária do SNCVasculite secundária ao lúpus, síndrome de Sjögren, doença de Behçet, SAAF e sarcoidoseDeficiência de vitamina B12, vitamina D, tiamina (encefalopatia de Wernicke-Korsakoff), niacina, ácido fólico

* Demência vascular entende-se por comprometimento cognitivo vascular (CCV) por infarto único estratégico ou AVC único extenso; CCV por múltiplos infartos; CCV por lesão subcortical de substância branca ou infartos lacunares múltiplos e demência por hipoperfusão associada às lesões em zonas limítrofes da irrigação cerebral).

Nota: APP, afasia progressiva primária; DFTvc, variante comportamental da demência frontotemporal; DFT-ELA, complexo demência frontotemporal-esclerose lateral amiotrófica; TDP-43, do inglês, transactive DNA-binding protein 43 ou proteína de ligação ao DNA de resposta transativa de 43 kDa; LATE, do inglês, limbic-predominant age-related TDP-43 encefalopathy ou encefalopatia por acúmulo de TDP-43 no sistema límbico; CADASIL, arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos corticais e leucoencefalopatia; ICC, insuficiência cardíaca congestiva; SAOS, síndrome da apneia obstrutiva do sono; IRC, insuficiência renal crônica; VGKC, do inglês, voltage gated potassium channel ou canal de potássio voltagem-dependente; NMDAr, receptor anti-N-metil-D-aspartato; HAND, do inglês HIV-associated neurocognitive disorder, ou distúrbio neurocognitivo associado ao HIV; LEMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva; SAAF, síndrome dos anticorpos antifosfolípides;

Quadro 3.
Critérios Clínicos Essenciais do NIA-AA para o diagnóstico provável da demência da doença de Alzheimer segundo McKhann et al. (2011)

Paciente deve preencher os critérios para demência, com as seguintes características adicionais:
A. Início lento, insidioso;
B. Piora definida de cognição, evidenciada por relato ou exame objetivo; e
C. Os prejuízos cognitivos iniciais e mais proeminentes são evidenciados pela história e exame em uma das categorias seguintes:
a. Apresentação amnéstica: a mais comum. O comprometimento cognitivo deve incluir dificuldade para aprender e recordar informações recentes e pelo menos mais uma outra disfunção cognitiva.
b. Apresentações não amnésticas:
• Linguagem: principalmente dificuldade de expressar-se. Deve haver disfunção concomitante em outros domínios cognitivos.
• Habilidade visuoespacial: principalmente prejuízo na cognição espacial, incluindo agnosias, e alexia. Deve haver disfunção concomitante em outros domínios cognitivos.
• Disfunção executiva: principalmente dificuldades de raciocínio, julgamento e resolução de problemas. Deve haver disfunção concomitante em outros domínios cognitivos.
D. O diagnóstico de demência da doença de Alzheimer provável não deve ser feito quando há evidência de (a) doença cerebrovascular considerável concomitante; (b) características essenciais da demência com corpos de Lewy afora a própria demência; (c) características proeminentes da demência frontotemporal variante comportamental; (d) características proeminentes da afasia progressiva primária nas variantes semântica e não fluente/agramática; (e) outra doença neurológica concorrente ou comorbidade não neurológica ou uso de medicação, que possam ter um efeito substancial na cognição.

Quadro 4.
Estadiamento da demência da doença de Alzheimer segundo AA (2020)

EstadiamentoPrincipais Características
Demência da DA LeveA maioria das pessoas é capaz de funcionar de forma independente em muitas áreas de atividades, mas provavelmente vai requerer assistência em algumas atividades para maximizar a independência e permanecer segura. Os pacientes podem dirigir, trabalhar e participar de suas atividades favoritas.
Demência da DA ModeradaGeralmente é a fase mais longa. Os indivíduos podem ter dificuldades em se comunicar e executar tarefas rotineiras, incluindo AVDs (como tomar banho e se vestir). O indivíduo pode, às vezes, tornar-se incontinente. Iniciam-se mudanças de personalidade e comportamento, incluindo agitação.
Demência da DA GraveNesta fase, os indivíduos precisam de ajuda com as AVDs e provavelmente necessitarão de cuidados por 24 horas por dia. Os efeitos da DA na saúde física dos indivíduos se tornam especialmente aparentes nessa fase. Os indivíduos ficam praticamente restritos ao leito. Nesta condição, os pacientes ficam vulneráveis a condições como fenômenos trombóticos, infecções de pele e sepse, que desencadeiam processos inflamatórios em todo o corpo que podem resultar em falência de órgãos. Pacientes apresentam dificuldades de deglutição e ingestão de bebidas. Isso pode resultar em pneumonia por aspiração, que é uma causa contribuinte de morte entre indivíduos com DA.

Nota: AVDs, atividades da vida diária.

Quadro 5.
Sistema ATN para o diagnóstico da doença de Alzheimer (Knopman et al., 2018)

Sistema ATN“A”“T”“N”
SignificadoAmiloide ß (Aß)Tau total (T-tau) e Tau fosforilada (P-tau)Neurodegeneração (disfunção neuronal)
Biomarcadores de Neuroimagem MolecularPET amiloide com 11C-PiB (Pittsburgh-B) ou 18F-florbetapir: marcadores de acúmulo de AßPET tau com 18F-flortaucipir: marcador de emaranhados neurofibrilaresPET com 18F- FDG (fluorodeoxiglicose) e IRM convencional
Biomarcadores liquóricosAß42 ou razão Aß42/Aß40Tau total (injúria neuronal) e isoformas P-Tau181 e P-Tau231Neurofilamento de cadeia leve (NfL) e neurogranina (Ng) – estágios iniciais de desenvolvimento
Biomarcadores
séricos
razão Aß42/Aß40isoformas P-Tau181 e P-Tau217NfL
Correlação ClínicaIndica a presença ou ausência de patologia e, por extrapolação, a presença ou ausência de DA. Principal biomarcador de DA neuropatologicamente definido. Possui especificidade diagnóstica para DA.Indica presença de doença e também gravidade clínica, sugerindo que na DA, a tau é o principal biomarcador de progressão da doença (estadiamento). Possui especificidade diagnóstica para DA.Indica fortemente progressão de doença. Avalia também presença de doença estando intimamente ligado a sintomas clínicos. Além disso, é preditivo de declínio cognitivo em indivíduos cognitivamente normais, embora tenha especificidade limitada para DA.

Nota: PET, do inglês, positron emission tomography, ou tomografia por emissão de pósitrons; DA, doença de Alzheimer; IRM, imagem por ressonância magnética.

Quadro 6.
Estadiamento clínico da doença de Alzheimer em seis estágios (Knopman et al., 2018)

EstágioCaracterísticas clínicasCorrespondência sindrômica
1Desempenho cognitivo na faixa esperada eNenhum relato de declínio cognitivoCognitivamente saudável
2Desempenho na faixa normal eDeclínio cognitivo subjetivo; ouEvidência documentada de declínio ouSintomas neurocomportamentais recentemente adquiridosCognitivamente saudável
3Desempenho cognitivo fora da faixa esperada eDeclínio cognitivo em relação a níveis basais em qualquer domínio eIndependência para AVDs, podendo ser menos eficienteComprometimento cognitivo leve
4Demência leveDemência
5Demência moderada
6Demência grave

Nota: AVDs, atividades da vida diária.

Referências

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Cérebro em forma de quebra-cabeça
Formato do cérebro humano

1. O que é demência?

A demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou comportamentais progressivos que interferem na habilidade de atividades usuais e representam declínio em relação aos níveis prévios, não sendo explicáveis por delirium ou doença psiquiátrica maior. Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo 2 dos seguintes domínios:

1. Memória;
2. Função executiva;
3. Habilidade visuo-espacial e construtiva;
4. Linguagem;
5. Personalidade ou comportamento. 

Resumo sobre demência

2. Qual a prevalência da demência?

As demências podem ocorrer em qualquer idade, mas são muito mais frequentes em idosos. Quanto mais idosa a pessoa, maior a probabilidade de demência. Assim, entre aquelas com 65 a 70 anos, 5% a 8% têm demência, um percentual que sobe para 40% a 50% entre pessoas com mais de 85 anos. Esses números não variam muito quando se comparam diferentes regiões do mundo, ou seja, não há predileção por qualquer etnia em particular. Embora alguns estudos tenham mostrado um ligeiro predomínio em mulheres, outros não confirmaram esse padrão. No contexto brasileiro atual, há cerca de um milhão e 200 mil pacientes com Doença de Alzheimer, com aproximadamente 55 mil novos casos a cada ano.    

Gráfico explicativo sobre a prevalência da demência

3. Quais as principais causas da demência?

Existem dezenas de possíveis causas de demência, ou seja, trata-se de uma síndrome, mas as quatro causas mais comuns são responsáveis por 80% a 90% do total. Destas quatro causas, três são degenerações primárias do sistema nervoso central: doença de Alzheimer, demência por corpos de Lewy e demência frontotemporal.

A outra causa comum é a demência vascular, isso significa que as causas potencialmente reversíveis correspondem a um grupo bastante restrito. Independente de onde se realize a pesquisa, a doença de Alzheimer é a principal causa de demência, correspondendo a um percentual de 50% a 70% do total de casos. Tal doença pode ser considerada, sob muitos aspectos, como o protótipo das demências, motivo pelo qual é feito o diagnóstico diferencial.

4. O processo de envelhecimento é sinônimo de demência?

Embora haja relação com o envelhecimento, no sentido de que, quanto mais idosa a pessoa, maior a probabilidade de demência, a ocorrência do primeiro, não implica necessariamente a ocorrência da segunda.Ocorrem alterações da memória no envelhecimento, mas suas características são diferentes daquelas encontradas nas demências. Esta é uma noção importante, porque significa que pode ser necessário o diagnóstico diferencial entre envelhecimento e demência, especialmente na fase inicial.

5. Como pode ser feito o diagnóstico diferencial entre envelhecimento normal e demência na fase inicial?

No envelhecimento normal, lapsos de memória podem tornar-se mais frequentes. É comum, por exemplo, uma informação ser lembrada em uma ocasião, mas não em outra, ou até mesmo ser lembrada mais tarde. Nessa condição, a lembrança de detalhes de eventos é fator que auxilia na recuperação de memória. Um aspecto importante da alteração do envelhecimento normal é que ela se estabelece gradualmente, dando tempo à adaptação, de modo que não interfere nas atividades do dia-a-dia. De um modo muito simplificado, podemos dizer que no envelhecimento normal a memória fica mais lenta, enquanto nas demências ela desaparece. Neste sentido, nas demências, ao contrário do envelhecimento, a informação dificilmente é recuperada, detalhes não ajudam e há interferência nas atividades diárias.

Gráfico comparativo entre o declínio cognitivo saldável e a Doença de Alzheimer

6. Como é feita a abordagem inicial das demências?

A apresentação das demências, tipicamente, é de uma pessoa idosa com queixa de progressiva dificuldade de memória para fatos recentes, porém, esta apresentação pode aparecer em outras diferentes condições clínicas. Deste modo, o diagnóstico é feito em duas etapas: (1) caracterizar o diagnóstico de demência e (2) fazer o diagnóstico diferencial entre as demências. Em ambas etapas, a anamnese é o aspecto mais importante para a elaboração do raciocínio diagnóstico.  

7. Medicamentos podem causar dificuldade de memória?

Alguns medicamentos podem causar dificuldade de memória por prejuízo à atenção ou por efeito direto sobre a memória, em geral por ação anticolinérgica. Exemplos do primeiro grupo seriam os hipnóticos, os benzodiazepínicos e o fenobarbital. Têm ação anticolinérgica algumas medicações usadas em distúrbios do movimento, como o triexifenidil e o biperideno; os neurolépticos típicos, como o haloperidol e os antidepressivos tricíclicos, como a imipramina e aamitriptilina.

É mais raro, mas outras medicações como os betabloqueadores também podem prejudicar a memória. Uma conclusão a partir destas informações poderia ser que: diante da queixa de dificuldade de memória, é importante verificar se esta não coincidiu com a introdução de uma nova medicação.  

8. Como fazer o diagnóstico diferencial entre depressão e demência?

Este diagnóstico diferencial é clínico. Tipicamente, na depressão, se observa tristeza sem motivo, perda de interesse por atividades anteriormente agradáveis, sensação de falta de energia e desesperança. Em idosos, estes sintomas podem não ser evidentes, só sendo revelados se houver questionamento específico a seu respeito. Pacientes com depressão podem apresentar queixas de mal-estar e desconforto, queixas somáticas, como, por exemplo, sintomas gastrointestinais e motores, além da queixa de dificuldade de memória.

Neste caso, o diagnóstico diferencial com demência torna-se relevante. Na depressão a queixa pode não ter um correlato objetivo, isto é, apesar da presença da depressão, os familiares não observam de fato interferências nas atividades de vida diária. Este diagnóstico diferencial pode ser dificultado por duas razões: (1) a depressão pode ser o primeiro sintoma de demência, aparecendo antes mesmo das alterações cognitivas; (2) alguns idosos realmente deprimidos podem apresentar alterações objetivas de memória.

 

9. O que pode ser definido como comprometimento cognitivo leve, atualmente?

O comprometimento cognitivo leve (CCL) é uma condição caracterizada por alteração em uma única área da cognição, na qual a pessoa tem consciência da dificuldade. Apesar de ser a dificuldade percebida pelos familiares, esta não interfere nas atividades diárias a serem executadas. O paciente consegue se envolver em atividades complexas (como por exemplo, pagar contas ou tomar medicamentos), mas, geralmente, um maior esforço ou novas estratégias podem ser necessárias para executá-las. Embora qualquer área, como a linguagem ou a capacidade de planejamento possa ser afetada, o mais comum é o acometimento da memória.

 

Comprometimento cognitivo leve

10. Por que é importante o reconhecimento de um comprometimento cognitivo leve?

Pessoas com comprometimento cognitivo leve estão em um estágio inicial de um quadro demencial em que o acometimento de outras áreas da cognição ainda não está tão evidente. Com isso, um tratamento mais precoce poderá ser instituído.  

11. Como proceder após estabelecido o diagnóstico sindrômico de demência?

Como acima de 80% das demências correspondem a uma das quatro causas principais, o diagnóstico diferencial nesta fase, pelo menos inicialmente, pode ser feito entre a doença de Alzheimer e as outras três causas mais comuns: demência vascular, demência por corpos de Lewy e demência frontotemporal. Para esta etapa do raciocínio clínico, a história é essencial e alguns exames subsidiários podem ser úteis.

12. Descreva as características principais da doença deAlzheimer

A doença de Alzheimer (DA) é considerada a principal causa de demência correspondendo de 50% a 70% do total de casos. Ela pode ser considerada, sob muitos aspectos, como o protótipo das demências e é a causa contra a qual é feito o diagnóstico diferencial. A DA é uma doença lentamente progressiva, com duração média, entre os primeiros sintomas e a fase terminal, de 10 a 12 anos. O quadro típico é de deterioração cognitiva progressiva, caracterizada principalmente por um déficit de memória para fatos recentes, aos quais se associam, ainda numa fase inicial, a dificuldade de planejamento e de linguagem. Também nesta fase são frequentes alterações do comportamento, com o paciente apresentando principalmente apatia e depressão. As alterações da cognição e do comportamento levam a uma progressiva dependência para as atividades diárias.  

13. O que causa a doença de Alzheimer?

Como acontece com outras degenerações primárias do sistema nervoso central, a causa da doença de Alzheimer é desconhecida, mas existem evidências de que seja consequência da interação entre fatores genéticos e fatores ambientais. Como resultado deste gatilho, ocorre o metabolismo anormal de duas proteínas, que normalmente compõem o neurônio. A proteína precursora é a amiloide, clivada em fragmentos mais curtos que aqueles resultantes da via metabólica mais habitual. Estes fragmentos acumulam-se no espaço extracelular e dão origem às placas senis. A outra alteração metabólica ocorre com a proteína tau. Esta proteína é importante para a manutenção da permeabilidade dos microtúbulos e, portanto, para a manutenção da viabilidade neuronal. Na doença de Alzheimer, ela pode sofrer hiperfosforilação, facilitando a formação de neurofibrilas. Ao mesmo tempo as pontes tau se deformam, levando ao colapso de microtúbulos e à morteneuronal.  

Causa da Doença de Alzheimer

14. O que pode dificultar o diagnóstico diferencial entre as demências?

O diagnóstico diferencial entre as demências pode ser difícil, algumas vezes, por características da própria doença ou pela fase em que o paciente é examinado. Mesmo com exame anatomopatológico, alguns casos mostram superposição de características como, por exemplo, os casos entre doença de Alzheimer e demência vascular ou entre doença de Alzheimer e demência por corpos de Lewy.

Outro problema é que as demências tendem a confluir, isto é, quanto mais avançada a doença, mais parecida é a apresentação. Neste sentido, numa fase muito inicial, podem não estar presentes características clínicas importantes e numa fase muito avançada, a tendência é de apresentações muito parecidas.

15. Como fazer o diagnóstico diferencial entre doença de Alzheimer e demência vascular?

A demência vascular está associada a fatores de risco para doença cerebrovascular, como hipertensão, dislipidemia e diabetes. O padrão mais conhecido é o de múltiplos infartos, que acomete artérias de médio e grande calibre. Com as isquemias em sucessão, observa-se uma evolução de piora súbita e estabilização, conhecida como evolução em degraus, que sempre deve sugerir a possibilidade de demência vascular. É claro que, dependendo da área, haverá um correlato de alterações no exame, como hemiparesia.

Deste modo, a evolução em degraus e a presença de alterações focais no exame neurológico são pontos valiosos no diagnóstico diferencial entre demência vascular e doença de Alzheimer. Entretanto, o diagnóstico pode ser dificultado por duas razões: pode haver coincidência de demência vascular e doença de Alzheimer no mesmo paciente, em casos conhecidos como demência mista e algumas vezes a alteração fica restrita às artérias de pequeno calibre. Neste caso a evolução pode ser progressiva, lembrando a doença de Alzheimer.  

Imagem: Ressonâncias em T2/Flair mostrando em A, microangiopatia leve/moderada e, em B, moderada/severa,
identificada através de hipersinal periventricular, confluente. Observa-se, ainda, importante atrofia cortical difusa.
Imagem: Ressonâncias em T2/Flair mostrando em A, microangiopatia leve/moderada e, em B, moderada/severa,
identificada através de hipersinal periventricular, confluente. Observa-se, ainda, importante atrofia cortical difusa.

 

16. Como pode ser feito o diagnóstico de demência por corpos de Lewy e doença de Alzheimer?

A demência por corpos de Lewy (DCL), assim como a doença de Alzheimer, é uma degeneração primária do sistema nervoso central e também possui evolução progressiva. Entretanto, a doença apresenta algumas características clínicas observadas precocemente e que podem ajudar no diagnóstico diferencial, dentre elas: parkinsonismo atípico (pouco tremor e muita rigidez e bradicinesia, bilateral desde o início e com pouca resposta à L-Dopa); alucinações (em geral visuais, frequentes e detalhadas) e flutuações amplas (de grande amplitude e pequena duração, em geral de alguns minutos a algumas horas).

Na doença de Alzheimer podem ser encontrados sintomas tanto de parkinsonismo, quanto de alucinações, mas, caracteristicamente, esses ocorrem na demência bem estabelecida, em geral na fase moderada ou grave. Adicionalmente, embora possa haver flutuações na doença de Alzheimer, elas, tipicamente, são de pequena amplitude e longa duração.    

Acima, temos uma neuroimagem funcional demonstrando alteração no metabolismo colinérgico (áreas deficitárias em verde/ áreas funcionais em vermelho/laranja): Doença de Alzheimer (AD), Demência por corpúsculos de Lewy (DLB) e o cérebro normal (NC). Deve-se observar que a demonstração de comprometimento do córtex occipital evidenciado pelas setas na DLB, possivelmente se relaciona às alucinações visuais bem formadas.
Acima, temos uma neuroimagem funcional demonstrando alteração no metabolismo colinérgico (áreas deficitárias em verde/ áreas funcionais em vermelho/laranja): Doença de Alzheimer (AD), Demência por corpúsculos de Lewy (DLB) e o cérebro normal (NC). Deve-se observar que a demonstração de comprometimento do córtex occipital evidenciado pelas setas na DLB, possivelmente se relaciona às alucinações visuais bem formadas. 

17. Como pode ser feito o diagnóstico diferencial entre demência frontotemporal e doença de Alzheimer?

A demência frontotemporal (DFT) também é uma degeneração primária do SNC e pode ter dois padrões: início frontal, com progressiva alteração do comportamento; ou início temporal, com progressiva alteração da linguagem. Qualquer que seja o início, eventualmente haverá alteração combinada do comportamento e da linguagem. O diagnóstico diferencial pode não parecer difícil, mas a doença de Alzheimer (DA) pode iniciar pelos lobos frontais, com progressiva alteração do comportamento, ou pelos lobos temporais,com atrofia lobar. Na DA de início frontal, o sistema límbico é rapidamente envolvido, ou seja, rapidamente aparecem alterações da memória, algo que só ocorrerá mais tarde na DFT. Adicionalmente, a DFT tem início mais cedo que a doença de Alzheimer e, em metade dos casos, é familiar.          

Entretanto, esses não são critérios muito úteis para o diagnóstico diferencial se usados isoladamente, já que existem formas familiares da doença de Alzheimer e elas tendem a ser mais precoces. Além do acometimento mais tardio da memória, outras características permitem diferenciar a DFT da DA. Em ambas podem ser observados delírios, mas, enquanto na doença de Alzheimer eles costumam ser de roubo, perseguição ou ciúme, na DFT podem ter conteúdo bizarro ou de fundo religioso. Em ambos os casos,o paciente pode apresentar dificuldades para encontrar palavras, mas, na DFT, pode haver uma palavra ou frase chavão que é repetida constantemente. Em relação às alterações do comportamento, ele não é inibido e é mais precoce na DFT, que na DA.

Imagem: Observar importante predominância de atrofia nas regiões frontais.
Imagem: Observar importante predominância de atrofia nas regiões frontais.  

18. Cite alguns sinais de alarme que sinalizam contra um diagnóstico de doença de Alzheimer?

Algumas características da investigação podem sugerir que uma demência não é doença de Alzheimer. São elas: início súbito, sinais focais no exame neurológico, convulsões e alterações da marcha ou incontinência urinária precoces. A presença destas alterações deve sugerir outras possibilidades de diagnóstico.  

19. Que exames solicitar na suspeita de demência?

Na suspeita de demência em fase inicial, a avaliação neuropsicológica é importante para confirmar objetivamente quais áreas cerebrais estão comprometidas e qual a extensão. A avaliação deve ser adaptada ao nível educacional do paciente, mas um ponto bastante importante deve ser considerado: pessoas com alto nível de escolaridade podem sair-se bem em vários testes padrões, ainda que claramente com resultados comprometidos; já pessoas com baixo nível de escolaridade podem não se sair bem, sem que isso signifique, necessariamente, que estão com demência.

Uma avaliação mais detalhada também pode sugerir a possível causa da demência na doença por corpos de Lewy pela presença de alteração da atenção e da habilidade visuo-espacial. Na demência vascular, pode haver comprometimento desproporcional da função executiva e na demência frontotemporal, há comprometimento da função executiva, que é claramente desproporcional à relativa preservação da memória.  

20. Que exames laboratoriais solicitar diante de um paciente comdemência?  

Os exames que devem ser solicitados não são arbitrários, variando de caso para caso. Quanto mais atípica a apresentação, mais exames são necessários e vice-versa. Não existe um consenso universal sobre quais seriam os exames obrigatórios na suspeita de demência, mas todos concordam quanto à necessidade de diagnóstico por imagem, por tomografia computadorizada ou, preferencialmente, por ressonância magnética de crânio. O exame por imagem é útil porque afasta outras possibilidades, como as múltiplas isquemias da demência vascular, hidrocefalia, tumores e hematomas crônicos.

Pode ser observado um padrão de atrofia, simétrico e com predomínio frontotemporal, que sugere, mas, absolutamente, não fecha o diagnóstico de doença de Alzheimer. Essa mesma regra vale para os exames funcionais, como a tomografia por emissão de fóton único (SPECT) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET), com marcadores para beta-amiloide, que podem auxiliar no diagnóstico de doença de Alzheimer. Adicionalmente, o exame de marcadores no liquor pode mostrar concentração reduzida de beta-amiloide e aumentada de tau fosforilada,que são fortes indicativos da DA.  

21. O diagnóstico por imagem pode tornar-se mais específico?

O diagnóstico por imagem pode tornar-se mais específico na caracterização precoce da doença de Alzheimer se determinadas observações preliminares se confirmarem em grupos maiores. Duas abordagens diferentes estão sendo avaliadas, a primeira é de medir a taxa de atrofia dos hipocampos, o que supõe exames seriados e uma rigorosa superposição dos cortes, de modo que as imagens possam ser comparadas. A hipótese é que pessoas que irão desenvolver doença de Alzheimer, têm uma taxa de atrofia mais rápida que as pessoas que não vão demenciar. A segunda abordagem é a avaliação da carga cerebral de beta-amiloide por meio de ressonância magnética funcional ou PET,usando marcadores de beta-amiloide. Em ambos os casos o padrão encontrado deve ser correlacionado com a clínica.

Imagens demonstrando a topografia e a diferença de tamanho nos hipocampos, com significativa atrofia na segunda imagem.
Imagens demonstrando a topografia e a diferença de tamanho nos hipocampos, com significativa atrofia na segunda imagem.

22. Cite exames laboratoriais fundamentais para avaliação de um paciente com declínio cognitivo progressivo.

A Academia Brasileira de Neurologia sugere, além do diagnóstico por imagem, dosagem de TSH e de T4 livre, função renal, função hepática, vitamina B12, VDRL, proteínas totais e frações e anti-HIV (para apresentações atípicas e de início precoce).

23. Quando pensar em investigação genética em paciente com demência?

Para a doença de Alzheimer familiar foram identificadas várias mutações nos cromossomos 4, 6, 12 e 20. Tipicamente, estas são formas autossômicas dominantes, ou seja, sua presença permite o diagnóstico pré-clínico da doença de Alzheimer. Duas ressalvas devem ser feitas: a doença de Alzheimer familiar corresponde a uma minoria, não mais que 8% do total de pessoas com a doença; tais mutações são variáveis, cada mutação específica dentro do mesmo cromossomo correspondendo a uma ou a poucas famílias. Neste sentido, o estudo genético tem utilidade limitada na clínica.

24. Vale a pena fazer a tipagem de APoE em pacientes com demência?

A proteína APoE é responsável pelo carreamento de lipídios no plasma e tem possibilidade de expressão por três alelos diferentes: E2, E3 e E4. O grupo com menor chance de desenvolver doença de Alzheimer é o homozigoto para E2, enquanto o grupo com maior probabilidade éo homozigoto para E4. Porém, trata-se de um fator de risco e é possível encontrar homozigotos E2 com doença de Alzheimer comprovada por necropsia, assim como é possível encontrar homozigotos E4 que não desenvolveram a doença.

Assim, a tipagem é útil para identificar grupos com menor ou maior probabilidade da doença, mas tem escassa utilidade para o diagnóstico individual na prática clínica.

25. Como é feito o tratamento da doença de Alzheimer?

O primeiro ponto a ser lembrado a respeito do tratamento da doença de Alzheimer é que este inclui pelo menos três aspectos fundamentais:

  1. O tratamento não-farmacológico, que envolve a manipulação ambiental para o controle de alterações do comportamento e a reabilitação, numa tentativa de preservar a autonomia funcional pelo maior tempopossível;
  2. O tratamento farmacológico das alterações do comportamento;
  3. O tratamento sintomático específico da doença de Alzheimer.
Tratamento da Doença de Alzheimer
Tratamento da Doença de Alzheimer

26. Qual é o tratamento sintomático específico para os sintomas cognitivos e comportamentais da doença de Alzheimer?

O tratamento específico da doença de Alzheimer baseia-se nas alterações neuroquímicas identificadas nesta enfermidade. Existem dois grupos de medicação, os inibidores da acetilcolinesterase (IChE) e os antagonistas de receptores NMDA do glutamato. O uso de IChE foi introduzido a partir da observação de um déficit na disponibilidade de acetilcolina nesta doença. Pela inibição da colinesterase, que degrada a acetilcolina, espera-se que mais neurotransmissores estejam disponíveis. Os inibidores da colinesterase têm indicação nas fases leve ou moderada da doença.

O único antagonista de glutamato aprovado é a memantina, cuja indicação é geralmente feita nas fases moderada ou grave da doença.

27. Como usar os inibidores da acetilcolinesterase (IChE)?

Existem três inibidores aprovados e em uso, a donepezila, a galantamina e a rivastigmina. Para todos, o padrão de uso é muito semelhante: inicia-se com uma dose baixa, que é lentamente aumentada. Em princípio a resposta esperada é a melhora sintomática, seguida, pela contínua perda neuronal e retomada da progressão da doença. Observa-se que pode haver estabilização dos sintomas por um período variável, mas caso não haja melhora, mas somente estabilização, pode-se considerar que está havendo alguma resposta.

Tabela de medicamentos utilizados no tratamento da Doença de Alzheimer
Tabela de medicamentos utilizados no tratamento da Doença de Alzheimer

28. Como avaliar a resposta ao tratamento da doença de Alzheimer?

A resposta aos inibidores da acetilcolinesterase pode ser avaliada por testes objetivos, como os testes de memória e de linguagem, assim como pela manutenção das atividades do dia-a-dia. É importante notar que doses baixas dos inibidores podem estabilizar o desempenho nos testes de cognição, embora continue havendo deterioração funcional, ou seja, a avaliação de resposta não deve basear- se apenas nos testes de avaliação cognitiva.

29. Por quanto tempo deve ser mantido um inibidor de acetilcolinesterase (IChE) no tratamento de Alzheimer?

Um inibidor deve ser mantido enquanto houver evidências de estabilização. Caso retorne o agravamento da doença , pode-se pensar em perda de resposta. Neste caso deve-se tentar um outro inibidor. Embora estas medicações sejam semelhantes, não são idênticas, e a perda de resposta a uma delas, não significa,necessariamente, a falta de resposta aos outros IChE.

30. Quais são os principais efeitos colaterais dos inibidores da acetilcolinesterase (IChE)?

Idealmente, os inibidores deveriam ter ação específica sobre o córtex e o sistema límbico. Infelizmente não é o que ocorre, o efeito em outras áreas explica algumas das reações adversas. As mais comuns são náuseas, vômitos, perda de apetite e dor abdominal. Adicionalmente, pode haver cefaleia e tonturas e, mais raramente, desmaios. Os sintomas gastrointestinais, cefaleia e tonturas podem ser contornados por suspensão temporária da medicação (até três doses), com retorno à dose anterior e incremento mais lento.
Os desmaios precisam ser vistos com mais atenção, pois podem ser consequência de arritmia cardíaca, indicando a necessidade de substituição da medicação.

Tabele sobre os efeitos colaterais causados pelos medicamentos
Tabele sobre os efeitos colaterais causados pelos medicamentos

31. É possível combinar memantina com um inibidor de acetilcolinesterase no tratamento da doença de Alzheimer?

Como o mecanismo de ação das drogas é diferente, não apenas tal combinação é possível, como já foi investigada, sendo verificada que há a possibilidade de recuperação da resposta e consequente melhora.

Tabele sobre os medicamentos
Tabele sobre os medicamentos

32. O que se trata do sistema ATN para o diagnóstico da doença de Alzheimer?

O diagnóstico da doença de Alzheimer está em um processo de mudança de paradigma, com a introdução da neuroimagem molecular e dos biomarcadores liquóricos chamados Sistema ATN (quadro 1). A doença de Alzheimer pode ser caracterizada por seis estágios clínicos evolutivos (quadro 2) dentro de uma mesma doença.

Quadro 1: Sistema ATN no diagnóstico da doença de Alzheimer

Quadro 2: Estágios Clínicos da doença de Alzheimer

Quadro 1: Sistema ATN no diagnóstico da doença de Alzheimer
Quadro 1: Sistema ATN no diagnóstico da doença de Alzheimer
Quadro 2: Estágios Clínicos da doença de Alzheimer
Quadro 2: Estágios Clínicos da doença de Alzheimer