Insuficiência Cardíaca: saiba tudo com artigo do Medicina Atual

Insuficiência cardíaca é uma síndrome de origem heterogênea, constituindo a via final comum de todas as cardiopatias. Altamente debilitante, prejudica a qualidade de vida e apresenta prognóstico similar ao de neoplasias malignas como, por exemplo, de próstata, intestino e mama. 

Para esclarecer o tema, o Revisamed-Revisional em Medicina  traz o artigo do mestre em Cardiologia pela PUC Rio, Doutor José Dondici, publicado no portal Medicina Atual.

Além de aprender sobre fisiopatologia e diagnóstico, você vai entender como é feita a classificação dos pacientes bem como as formas de tratamento. 

Leia o artigo, saiba tudo sobre Insuficiência cardíaca. É importante lembrar que a Cardiologia é uma das especialidades médicas que mais cresce no Brasil nos últimos anos, sendo a 10ª mais procurada no país.

Mesmo com a alta disponibilidade de vagas é importante se preparar porque o índice de concorrência nas residências médicas para a área segue a mesma proporção. 

No final da leitura, você pode testar seus conhecimentos no Caderno Digital de perguntas e respostas sobre o tema do Revisamed.  Ótimos estudos! 

Introdução

É uma síndrome de origem heterogênea, constituindo a via final comum de todas as cardiopatias. É altamente debilitante, prejudicando a qualidade de vida e com prognóstico similar ao de neoplasias malignas mais comuns (próstata, intestino e mama).

Qualquer sobrecarga, de volume ou pressão, a perda de miócitos, de forma localizada, como na isquemia, ou generalizada como nas cardiomiopatias, constituem causas de IC. O diagnóstico etiológico é essencial, pois orienta particularidades terapêuticas, como medicamentos específicos ou intervenções cirúrgicas. As causas mais comuns de IC são a HA e/ou DAC.

O débito cardíaco (DC) é constituído pela quantidade de sangue que chega ao coração (volume diastólico final) e pelo volume de sangue que é ejetado (volume sistólico). Didaticamente, a IC pode ser dividida em duas modalidades: a incapacidade do coração em receber sangue a baixa pressão, ou de ejetá-lo a alta pressão nos vasos sanguíneos. A primeira é conhecida como IC de fração de ejeção (FE) preservada (ICFEP) e a segunda IC de fração ejeção reduzida (ICFER). O cálculo da FE, obtida pelo ecocardiograma (ECO), permite agrupar os pacientes em quatro grupos (tabela 1).

Tabela 1 – Classificação da IC de acordo com a FE

Classificação da insuficiência cardíaca
Classificação da insuficiência cardíaca

Fisiopatologia

Quando o DC cai inicia-se um processo mecânico e bioquímico compensatório, para manter o paciente assintomático e preservar a vida.

Do ponto de vista mecânico há hipertrofia, pois o miócito não se multiplica. A hipertrofia pode ser com miócitos em série no aumento da pré-carga ou em paralelo, aumento da pós-carga, denominadas hipertrofia excêntrica e concêntrica.

No miócito normal (figura 1) a maior parte da sua estrutura são as miofibrilas, além de tecido conjuntivo de sustentação e capilares, fonte de nutrientes para contração.

Hipertrofia ventricular
Figura 1 – Hipertrofia ventricular

Com a hipertrofia do miócito, há também a do tecido conjuntivo e da camada média dos vasos sanguíneos. Com a persistência da sobrecarga, o tecido conjuntivo passa a constituir o principal componente da miofibrila, superando a necessidade de sustentação. Rígido, em nada contribui para contração.

Na hipertrofia, se observarmos todo o coração existe aumento da força de contração, mas analisando cada miofibrila isoladamente há significativa deterioração funcional.

Contribui para piora o desvio na síntese de miosina de cadeia pesada tipo beta em detrimento da alfa, com menor velocidade de contração. Há menor produção de mRNA do cálcio ATPase, enzima responsável pela captação do cálcio no citoplasma após a contração. A maior quantidade de cálcio disponível na diástole resulta em menor complacência.

Não há aumento proporcional da vascularização e maior massa de células será irrigada pela mesma quantidade de vasos. A hipertrofia da camada média e a compressão extrínseca do vaso pelo miocárdio hipertrofiado contribuem para redução do fluxo. O diâmetro fixo do óstio coronariano também limita a irrigação do coração. Conclui-se que, independente de lesão coronariana, a isquemia poderá existir, contribuindo para redução adicional da força contrátil.

Simultaneamente às mecânicas, alterações bioquímicas estão em curso. Há liberação de várias substâncias, umas vasodilatadoras e natriuréticas, outras de ação oposta (figura 2).

Fisiopatologia da IC
Figura 2- Fisiopatologia da IC

As prostaglandinas, liberadas pela diminuição da perfusão renal, levam a vasodilatação renal.

A maior secreção de óxido nítrico, potente vasodilatador e fundamental na manutenção da homeostase vascular e de vários outros órgãos e tecidos.

A dopamina age nos receptores dopaminérgicos presentes no coração, cérebro, rins e mesentério, e leva a vasodilatação e natriurese, além de significativa ação inotrópica positiva.

Os peptídeos natriuréticos (PN), produzidos pelo aumento da pressão ou volume nos átrios, ventrículos (BNP) e vasos, antagonizam a ação dos vasoconstritores, promovem a natriurese e constituem eles próprios potentes vasodilatadores.

A vasopressina e o SRAA atuam no braço vasoconstritor. O SRAA é de fundamental importância no equilíbrio orgânico, responsável por manter a pressão de perfusão dos órgãos e tecidos. Age na suprarrenal, liberando aldosterona, na hipófise vasopressina e na própria célula muscular lisa, atuando como potente vasoconstritor. Leva a intensa proliferação e apoptose celular, com efeitos deletérios no coração e rins. A endotelina tem ação muito semelhante.

A hiperatividade simpática produz aumento da frequência cardíaca (FC), contratilidade e vasoconstrição. Favorece a hipertrofia, aumento da pressão arterial (PA) e do retorno venoso, contribuindo para maior trabalho cardíaco e consumo de oxigênio. O estímulo beta ativa o SRAA e vasopressina e tem ação tóxica direta sobre o miocárdio predispondo a arritmias. A estimulação simpática mantida reduz a densidade e sensibilidade dos receptores beta-1.

Na IC há um desbalanço entre as forças vasodilatadoras e as vasoconstritoras, culminando em uma situação de intensa vasoconstrição e retenção de sódio e água. Inicialmente benéfico promovendo manutenção do DC e pressão de perfusão, com o tempo, o mecanismo compensatório ultrapassa seus limites e é responsável por todo quadro clínico da síndrome.

Sendo potencialmente irreversível, de difícil tratamento etiológico, o bloqueio humoral, com alívio sintomático e menor velocidade de progressão, constituem atualmente o fulcro terapêutico da enfermidade (figura 3).

3. Diagnóstico

3.1 Anamnese e exame físico:

Os sintomas congestivos decorrem do aumento de pressão e volume nos átrios. No átrio esquerdo leva ao aparecimento de sintomas pulmonares: dispneia aos esforços, paroxística noturna, ortopneia e bendopneia. A tosse é principalmente noturna. Na ausculta pulmonar há estertores e/ou sibilos pulmonares.

No lado direito, observa-se edema bilateral de membros inferiores, hepatomegalia e a presença de turgência venosa patológica. Esta última, facilmente observada à inspeção do pescoço apresenta forte especificidade e pode ser exacerbada com a compressão abdominal (refluxo hepato ou abdominojugular).

A retenção hídrica leva a considerável ganho de peso. Os sintomas urinários são comuns, como a nictúria ou oligúria.

No trato gastrointestinal pode haver hiporexia, náuseas e vômitos. Verdadeira enteropatia acomete os casos mais graves, levando a caquexia cardíaca.

O baixo débito causa fadiga crônica, extremidades frias, palidez, intolerância aos esforços e piora os sintomas respiratórios por enfraquecimento da musculatura intercostal.

A palpação do abdome pode ser dolorosa, além de hepatomegalia e, às vezes, ascite.

Figura 3 – Mecanismos de evolução da insuficiência cardíaca

Disfunção miocárdica
Disfunção miocárdica

À palpação, os pulsos arteriais são finos. O ictus do ventrículo esquerdo (VE) apresenta desvios variáveis, podendo ou não ser acompanhado de impulsão paraesternal direita, nos casos de crescimento do ventrículo direito (VD).

A ausculta identifica taquicardia, bulhas hipofonéticas e presença de terceira e/ou quartas bulhas. Em virtude do crescimento dos átrios e ventrículos, por dilatação do anel valvar, sopros de regurgitação mitral e tricúspide podem existir.

Embora a IC apresente uma clínica exuberante, o diagnóstico clínico pode ser difícil. Vários escores diagnósticos foram desenvolvidos, sendo o de Framingham o mais utilizado (tabela 2).

Critérios de Framingham
Tabela 2 – Critérios de Framingham

3.2 Eletrocardiograma (ECG)

Embora não existam alterações característica de IC, o ECG apresenta valor preditivo negativo excepcional (98%). Na suspeita de IC, um ECG normal torna a hipótese improvável.

Crescimentos cavitários, arritmias, bloqueios de ramo, distúrbios da repolarização constituem as alterações mais comuns.

Áreas de cicatriz secundárias e infarto, alterações isquêmicas, podem despertar atenção para a necessidade de estudo hemodinâmico, com ou sem intervenção, favorecendo a resolução ou alívio da IC.

Comprometimentos agudos das cavidades direitas, no tromboembolismo pulmonar, intoxicações medicamentosas (alargamento do QT), distúrbios eletrolíticos, particularmente do potássio e cálcio podem ser diagnosticados.

3.3 Radiografia de tórax

Na exploração inicial, o que chama a atenção é o aumento da área cardíaca em graus variáveis, diagnosticada pelo índice cardiotorácico acima de 0,55. Após reconhecer o aumento, esquadrinham-se os sinais isolados de crescimento de cada cavidade.

Se a cardiomegalia sugere a origem cardíaca do mal, a análise circulação pulmonar permite avaliar o grau de descompensação. Duas alterações importantes encontram sinais na radiografia: a hipertensão arterial pulmonar e a hipertensão venocapilar pulmonar.

3.4 Ecocardiograma (ECO)

Permite a análise rápida e eficiente da anatomia cardíaca e da dinâmica de fluxo, propiciando diagnósticos acurados.

O ECO proporciona a medida exata do diâmetro e volume das cavidades cardíacas. Baseado no registro anatômico e na análise do fluxo através do sistema Doppler, várias informações hemodinâmicas relevantes passam a estar disponível para o clínico.

O cálculo da fração de ejeção separa os dois grandes grupos de IC: ICFER ou ICFEP.

Diagnostica e quantifica as valvulopatias, sugere o momento cirúrgico e pode implicar a doença valvar como a etiologia da IC.

As pressões de enchimento dos ventrículos são avaliadas pela relação E/e’ à esquerda e pelo calibre e oscilação do diâmetro da cava inferior à direita. A pressão arterial pulmonar pode ser estimada.

A análise da função diastólica na prática clínica só foi possível com advento do Doppler. Sabendo que o enchimento do VE se faz em duas fases, a de enchimento rápido (onda E) e a contração atrial (onda A), o Doppler viabiliza o estudo de cada uma dessas fases, propiciando a classificação da disfunção diastólica em 3 graus: aumento da onda A na leve; pseudo normalização na moderada e onda E única na forma grave (figura 4). 

Avaliação da função diastólica  PAE = Pressão atrial esquerda; DD = disfunção diastólica
Figura 4 – Avaliação da função diastólica PAE = Pressão atrial esquerda; DD = disfunção diastólica

A ultrassonografia pulmonar (USP) à beira do leito, principalmente nos serviços de urgência e UTIs, ganha cada dia mais defensores. A USP identifica as linhas de Kerley (principalmente as do tipo B), que representa líquido no interstício pulmonar, cujo número deve ser inferior a 3 (figura 5).

Ultrassonografia pulmonar
Figura 5 – Ultrassonografia pulmonar

3.5 Exames laboratoriais de rotina

Os seguintes testes diagnósticos são recomendados para avaliação inicial de um paciente com IC: hemograma completo, sódio, potássio, creatinina (com TFG estimada), testes da função hepática (bilirrubina, TGO, TGP, GGTP), glicose, HbA1c, perfil lipídico, eletrólitos (sódio e potássio), TSH, ferritina, saturação da transferrina, capacidade de ligação do ferro e os PN.

Os PN (BNP e NT-pró-BNP) surgiram como ferramenta útil diagnostica de IC. Produzido no miócito, os PN são liberados na circulação em casos de estiramento da miofibrila. O NT-pro-BNP é o mais indicado por não sofrer interferência dos bloqueadores da neprilisina. A tabela 3 mostra os pontos de corte.

Tabela 3 – Valores de referência para BNP e NT-pro-BNP

Valores de referência para BNP e NT-pro-BNP
Exames de rotina

A troponina pode se apresentar levemente aumentada nos quadros graves de IC.

A avaliação da função renal é de extraordinária importância no acompanhamento clínico, orientação terapêutica e prognóstico.

A necessidade de outras dosagens deve ser julgada a luz da imperiosa necessidade clínica, evitando avaliações fúteis.

3.6 Outros exames

A ressonância magnética (RM) é essencial na avaliação da IC. Permite avaliação anatômica e funcional primorosas. Presta-se ainda a outras indicações como: avaliação de isquemia e viabilidade miocárdica; suspeitas de miocardite; diagnóstico diferencial nos casos com elevação dos marcadores de necrose miocárdica em quadros atípicos, ou sem lesão coronariana definida; suspeita de cardiomiopatia arritmogênica do VD; miocárdio não compactado e na estratificação de risco da cardiomiopatia hipertrófica; diagnóstico etiológico de pacientes com miocardiopatia restritiva (amiloidose, hemossiderose); avaliação de massas cardíacas e doenças do pericárdio.

O estudo hemodinâmico pode ser necessário nos casos de angina típica, múltiplos fatores de risco, história de infarto e nos candidatos a revascularização miocárdica.

4. Classificação dos pacientes

O American College of Cardiology / American Heart Association classifica a IC em quatro estágios (figura 6).

Classificação do American College of Cardiology / American Heart Association e da New York Heart Association
Figura 6 – Classificação do American College of Cardiology / American Heart Association e da New York Heart Association

A classificação da NYHA é baseada nos sintomas. Os da classe I com sintomas aos grandes esforços, da classe II aos esforços habituais, classe III menores que os habituais e classe IV sintomáticos em repouso.

Os pacientes também devem ser identificados de acordo com seu estado hemodinâmico (figura 7), conforme apresentem sinais de congestão pulmonar, ou baixo débito. Esta classificação tem grande importância no planejamento terapêutico.

Avaliação do estado hemodinâmico
Figura 7 – Avaliação do estado hemodinâmico

Tratamento

Feito o diagnóstico de IC, procura-se detectar e remover possíveis fatores precipitantes ou agravantes. Os principais são: infecções, insuficiência renal, interrupção de medicação, excessos físicos e alimentares, hipertensão arterial, isquemia miocárdica, arritmias, anemia, embolia pulmonar, hipertireoidismo, obesidade, endocardite e medicamentos (antinflamatórios, bloqueadores de cálcio, cilostasol e glitazonas).

A reabilitação cardiovascular está indicada, com inúmeros benefícios, nos pacientes de classe funcional I-III, preferencialmente em centros especializados.

A abstenção do sal permanece controversa. Dietas restritivas, embora reduzam a volemia, a atividade do SRAA e a PA, predispõe a má nutrição, além de redução do DC. Existem estudos mostrando aumento da mortalidade na privação severa. O peso diário ao despertar é benéfico, uma vez que ganho exagerado (> 2 Kg/dia) sinaliza para retenção hídrica, propiciando medidas de controle.

Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA), os antagonistas da neprelisina (ARNI), os betabloqueadores, os antagonistas dos mineraloreceptores (AMR) e os inibidores dos SGLT2 (proteína transportadora do sódio e glicose) reduzem a letalidade (figura 8).

Medicamentos e intervenções na IC
Figura 8 – Medicamentos e intervenções na IC

5.1 Inibidores da enzima conversora da angiotensina e bloqueadores do receptor da angiotensina

Os IECA impedem a conversão de angiotensina I em angiotensina II, enquanto os BRA inibem o receptor 1 da angiotensina II, maior responsável pelos efeitos do SRAA.  O bloqueio diminui a atividade simpática, reduz secreção de vasopressina, aldosterona, além da ação vasodilatadora direta e natriurética. Os IECA apresentam o benefício adicional de bloquear a degradação da bradicinina, produzindo mais vasodilatação, liberação de prostaglandinas e ativador do plasminogênio tissular.

Controlam os sintomas e são eficientes em provocar remodelamento reverso, com diminuição da cavidade ventricular e melhora da fração de ejeção. Desta forma, são recomendados, mesmo nos assintomáticos.

Apresentam marcados benefícios renais por diminuir a pressão de filtração, graças à vasodilatação da arteríola eferente.

Estudos realizados com os IECA mostram que as doses preconizadas pelos estudos devem ser perseguidas para se obter os benefícios sobre a mortalidade, partindo de doses menores iniciais. Na impossibilidade do uso de IECA, a preferência recai sobre os BRA.

5.2 Inibidores da degradação da neprilisina

O sacubitril é o único disponível comercialmente, apresentado em associação com a valsartana sob a forma de molécula única. Uma vez ingerido dissociam-se e cada um vai exercer sua ação, o valsartana sobre o SRAA e o sacubitril inibindo a neprilisina, responsável pela degradação de diversos peptídeos como os PN, bradicinina, angiotensina, endotelina, substância beta-amiloide, dentre outros. O aumento dos níveis séricos dos PN tem benefícios singulares, reduzindo a volemia, por ação diurética e natriurética, redução da resistência vascular periférica, benefícios lusitrópicos, além de redução da fibrose, hipertrofia e inflamação. Diminui a atividade do SRAA e SNS, melhorando o fluxo plasmático renal. A ação sobre outros peptídeos explica os efeitos metabólicos benéficos nos lípides e glicose.

 O bloqueio da neprilisina aumenta os níveis séricos de angiotensina II, por impedir sua degradação, devendo sempre ser utilizado com um bloqueador do SRAA. O uso preferencial do BRA reside na menor probabilidade de angioedema. Pacientes em uso de IECA, que irão migrar para sacubitril/valsartana, devem ter a medicação suspensa por 36 horas.

Existem benefícios evidentes do composto sacubitril valsartana, sobre os IECA e BRA isolados.

5.3 Betabloqueadores

São medicamentos extremamente eficazes no paciente com IC. Aumentam a densidade de receptores b-1, inibem a toxicidade das catecolaminas, diminuem a ativação neuro-humoral total, reduzem a FC, com efeitos antiarrítmicos, antianginosos e anti-hipertensivos.

Reduzem significativamente a mortalidade e internação (~30%) e, paradoxalmente, promove melhora significativa da fração de ejeção, por marcado remodelamento reverso.

Não apresentam efeito de classe, sendo utilizados o carvedilol, o metoprolol, o bisoprolol e, eventualmente, o nebivolol. Da mesma forma que os IECA/BRA devem ser utilizados na maior dose preconizada. A dose inicial recomendada é sempre muito inferior a esta, normalmente um quarto da dose, aumentando-se progressivamente até atingir o alvo, visto os pacientes com IC serem altamente dependentes da estimulação do SNS. O bloqueio súbito pode trazer graves complicações.

5.4 Antagonistas dos mineraloreceptores:

A aldosterona, produzida em vários sítios, promove retenção de sódio e água, contribuindo para efeitos congestivos observados na IC. Leva a espoliação de potássio e magnésio, favorecendo o aparecimento de arritmias e morte súbita.

Contudo, o efeito mais significativo reside na maior deposição de colágeno, propiciando a fibrose miocárdica e vascular.

O bloqueio da aldosterona impede todas essas ações, permitindo maior estabilidade e menor mortalidade.

5.5 Inibidores do transportador 2 do sódio e glicose

Os inibidores de SGLT2, como a dapagliflozina e a empagliflozina, atuam como hipoglicemiantes orais pela inibição da reabsorção de glicose nos túbulos proximais do néfron. Há também perda de peso. Lançados como hipoglicemiantes, logo foi constatado importantes efeitos cardiovasculares como redução da hospitalização por IC. Posteriormente, estudos específicos em pacientes diabéticos ou não, para controle da IC, foram desenvolvidos, com resultados surpreendentes. Houve significativa melhora sintomática, menos hospitalização e remodelamento reverso significativo. No estudo com a dapagliflozina houve ainda redução da mortalidade total e CV.

O mecanismo proposto para estes benefícios ainda é mal conhecido e independe da ação hipoglicemiante. Os efeitos na natriurese, antinflamatórios e antifibróticos, a redução da PA, o aumento na metabolização de cetonas e ácidos graxos livres pelo coração o que parece levar a uma melhor eficiência energética, podem contribuir. 

A utilização desses quatro fármacos é primordial para tratamento da IC, trazendo benefícios incomparáveis no aumento da sobrevida e redução da hospitalização (tabela 4).

Tratamento otimizado da IC
Tabela 4 – Tratamento otimizado da IC

5.6 Diuréticos

São os mais eficazes na redução de fenômenos congestivos, porém levam à estimação neurohumoral, reduzem a taxa de filtração glomerular e podem produzir depleção de potássio. Diminuem a pré-carga, pela ação na volemia, mitigando os sintomas de congestão. Sem efeito no DC, podem reduzi-lo se houver quedas acentuadas da pré-carga.

O mais utilizado é a furosemida, potente diurético de alça. A hidroclorotiazida pode ser empregada quando se deseja diurese menos pronunciada ou, associada à furosemida, quando necessário potencialização do efeito de ambos.

5.7  Digital

A ação do digital se faz pelo bloqueio da bomba de sódio (inibição da Na/K-ATPase), levando a aumento do sódio intracelular, favorecendo a troca do sódio pelo cálcio, resultando em aumento da contratilidade. Outras ações podem ser mais relevantes, como o efeito vagal e melhora da sensibilidade dos barorreceptores.

Como agente inotrópico a ação é irrelevante, quando comparada a inotrópicos potentes. Estes, quando utilizados, só mostram algum benefício quando do uso em curto prazo, seguido de aumento de mortalidade com a manutenção do tratamento.

O maior problema desse fármaco é que o nível sérico terapêutico é muito próximo do tóxico. É recomendado em doses baixas, para redução da resposta ventricular em casos selecionados.

5.8  Ivabradina

A ivabradina é uma medicação que atua no nó sinusal, inibindo de forma seletiva a corrente “If”, reduzindo a FC no repouso e esforço. Não se aplica na fibrilação atrial.

É recomendada nos doentes em que a FC permanece acima de 70 bpm e que toleram menos de 50% da dose alvo recomendada de betabloqueadores.

A substância não tem efeito na mortalidade e aumenta o risco de fibrilação atrial, com um NNH de 83.

5.9 Associação nitrato/hidralazina

O racional para o uso da associação nitrato/hidralazina é a redução balanceada da pré e pós-carga, melhorando a função sistólica, a capacidade física e remodelamento do VE.

O maior estudo foi feito em afrodescendentes, com doses elevadas da associação, com redução significativa da hospitalização, mortalidade e melhora da qualidade de vida.

Nas diretrizes seu uso é recomendado nos pacientes que persistem sintomáticos, mesmo com tratamento otimizado e nos intolerantes a IECA/BRA, independente da etnia.

5.10 Dispositivos ou procedimentos

A terapia de ressincronização cardíaca, com implante de marcapasso dupla câmara e sincronização atrial, levando a uma contração uniforme dos dois ventrículos, tem impacto significativo na mortalidade, hospitalização e qualidade de vida.

Seu uso é consenso nos pacientes sintomáticos (NYHA II/III), ritmo sinusal, em terapia plena, quando a FE ≤ 35%, QRS com duração superior a 150 ms, principalmente na presença de bloqueio completo de ramo esquerdo.

Outro procedimento útil na IC é o uso de cardioversores implantáveis (CDI). Em pacientes ressuscitados, após parada cardíaca (prevenção primária), o emprego deste recurso é incontestável. Contudo, na prevenção secundária a utilização não é consenso e de difícil padronização, tendo em vista o custo do procedimento e não influir na progressão da doença.

A fibrilação atrial, levando a comprometimento da função ventricular pela perda da contração atrial, foi tolerada por anos em portadores de IC. Estudos recentes demonstraram os benefícios do ritmo sinusal e as vantagens da ablação, que deve ser considerada dependendo da experiência do time. Vale lembrar, que neste caso persiste a indicação da anticoagulação.

6. Leituras recomendadas:

Maddox, MT et al. 2021 Update to 2017 ECDP for Optimization of Heart Failure Treatment. JACC 2021. 77: 772-810.

https://www.jacc.org/doi/10.1016/j.jacc.2020.11.022.

Ponikowski, P et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. European Heart Journal, 2016. 37:  2129–2200.  https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehw128.

Atherton , JJ et al. National Heart Foundation of Australia and Cardiac Society of Australia and New Zealand: Guidelines for the Prevention, Detection, and Management of Heart Failure in Australia 2018. Heart, Lung and Circulation (2018) 27, 1123–1208.

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30077227/

Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(3):436-539.

Robert, JH et al. A Novel Approach to Medical Management of Heart Failure with Reduced Ejection Fraction. Articles in press. Can J Cardiol 2021.  http://dx.doi.org/10.1016/j.cjca.2020.12.028.

Bauersachs J, Heart failure drug treatment: the fantastic four J. European Heart Journal (2021) 00, 1–3.

Bass  NA, et al. Association of optimal implementation of sodium-glucose cotransporter 2 inhibitor therapy with outcome for patients with heart failure. JAMA Cardiol. 2020;5(8):948-951.

Homem com dor no peito
Homem com dor no peito
  1. Qual a definição de Insuficiência Cardíaca?

É o estado fisiopatológico em que o coração se torna incapaz de manter o débito cardíaco adequado para suprir as demandas metabólicas teciduais ou realize com elevada pressão de enchimento. É uma síndrome clínica complexa, que geralmente resulta de alterações estruturais e funcionais que impedem ou dificultam a manutenção de um débito cardíaco normal. Mais frequentemente é resultante de uma alteração estrutural, que compromete a função contrátil, levando a disfunção sistólica, porém, é relativamente frequente na prática clínica a síndrome de Insuficiência Cardíaca com função sistólica preservada, principalmente em pacientes idosos, do gênero feminino, portadores de diabetes e hipertensão arterial.

2. Quais são as classificações da Insuficiência Cardíaca?

  • Insuficiência Cardíaca crônica
  • Insuficiência Cardíaca aguda
  • Insuficiência Cardíaca sistólica
  • Insuficiência Cardíaca diastólica
Classificação da insuficiência cardíaca
Classificação da insuficiência cardíaca

3. Quais as principais doenças ou agentes que comprometem o coração e determinam o quadro de Insuficiência Cardíaca?

As principais etiologias da Insuficiência Cardíaca no Brasil são:

Doença aterosclerótica coronariana (miocardiopatia isquêmica);
Hipertensão arterial (miocardiopatia hipertensiva);
Agressão miocárdica pelo T. cruzi (miocardiopatia Chagásica);
Agressão miocárdica pelo álcool (miocardiopatia alcoólica);
Agressões virais (miocardites);
Miocardiopatia periparto;
Doenças valvulares;
Cardiopatias congênitas.
Quando não conseguimos definir a etiologia da dilatação cardíaca, utilizamos a denominação de miocardiopatia dilatada idiopática. Na presença de alguma doença genética ou com comprometimento de membros da mesma família, podemos utilizar a denominação de miocardiopatia genética ou familiar.

5. Quais são os principais eixos do sistema neuro-hormonal envolvidos na etiopatogênese da Insuficiência Cardíaca?
O sistema neuro-hormonal é representado pela ativação do sistema nervoso autônomo (estimulação simpática), sistema renina angiotensina-aldosterona (SRAA) e arginina- vasopressina, que produzem substâncias vasoconstritoras e proliferativas que determinam
vasoconstricção, retenção de sódio e água, proliferação tecidual, podendo levar a morte celular por necrose e apoptose e consequente reparação tecidual com a formação de fibrose.

Esta ativação deletéria é contrabalançada pela produção de substâncias que são vasodilatadoras e antiproliferativas, como o hormônio natriurético atrial (BNP), as prostaglandinas vasodilatadoras, a bradicinina e o óxido nítrico, que promovem vasodilatação e aumento da diurese e natriurese.

Com o progredir da doença, estes sistemas ativados passam a atuar de forma deletéria, sendo importantes em determinar o fenômeno de remodelação ventricular (mudança de forma do coração) e aparecimento de sintomas, estando estes sistemas envolvidos nos principais mecanismos de morte destes pacientes, que são a morte súbita por arritmia ventricular e a Insuficiência Cardíaca refratária por falência ventricular progressiva.

6. Qual o papel da disfunção endotelial na patogênese da Insuficiência Cardíaca?
Precocemente, mesmo antes do aparecimento dos sintomas, está documentada a presença da disfunção do endotélio vascular na síndrome de Insuficiência Cardíaca, sendo esta alteração caracterizada por uma redução na capacidade vasodilatadora, maior rigidez da parede vascular e, por fim, uma remodelação vascular determinada pela hipertrofia da camada média.

Participam desta disfunção endotelial a ação de substâncias vasoconstritoras e proliferativas, como a angiotensina II, a norepinefrina, as prostaglandinas vasoconstritoras, a aldosterona e, principalmente, as endotelinas, que predominam e se intensificam na evolução da doença.

Tem participação também a perda ou a atenuação da sua resposta vasodilatadora à ação de substâncias como óxido nítrico e prostaciclina. A progressão da disfunção endotelial está associada a maior morbidade e mortalidade da Insuficiência Cardíaca.

7. Qual a participação da atividade inflamatória na etiopatogênese da Insuficiência Cardíaca?
Inúmeros trabalhos documentam consistentemente um aumento da atividade inflamatória na Insuficiência Cardíaca, sendo esta caracterizada pela elevação de substâncias pró-inflamatórias (citocinas) como as interleucinas (IL) e o fator de necrose tumoral (TNF-alfa).

Está demonstrado que, frente a uma agressão celular ou a uma sobrecarga, os miócitos passam a expressar genes que codificam a síntese destas proteínas inflamatórias. A atividade pró-inflamatória exacerbada está associada à caquexia cardíaca e guarda relação com a gravidade da doença, e está associada a um maior risco de morte.

8. Quais são os principais sintomas da Insuficiência Cardíaca?
A síndrome de Insuficiência Cardíaca é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas que estarão presentes em graus variáveis dependendo da fase evolutiva da doença. A sintomatologia marcante é decorrente da queda do débito cardíaco que, por sua vez, determina progressiva intolerância ao esforço, sendo caracterizada pelo sintoma dispneia.

Na evolução, observa-se uma tendência permanente à retenção de sódio e água e surgem os sintomas decorrentes do quadro de congestão pulmonar como a ortopneia e a dispneia paroxística noturna. A congestão venosa sistêmica pode determinar sintomas de dor ou desconforto no hipocôndrio direito, pela distensão da cápsula hepática.

São ainda decorrentes do baixo débito crônico fadiga, sonolência, tonturas, oligúria, perda da massa muscular e a caquexia cardíaca. A presença de arritmias ventriculares e/ou supraventriculares pode determinar os sintomas de palpitações e tonturas. A disfunção ventricular pode se manifestar também por arritmia cardíaca, síncope, tromboembolismo sistêmico ou até mesmo a morte súbita.

9. Quais os principais sinais clínicos da síndrome de Insuficiência Cardíaca?
O baixo débito cardíaco pode determinar palidez, pulsos finos, pressão arterial convergente, extremidades frias e redução da perfusão periférica. A congestão pulmonar poderá determinar o aparecimento de tosse, chiado no peito e intolerância ao decúbito baixo. A congestão sistêmica se refletirá pela presença marcante da estase jugular, hepatomegalia, edema de membros inferiores e, frequentemente, ascite.

10. Como se faz o reconhecimento clínico da Insuficiência Cardíaca?
A anamnese e o exame clínico são indispensáveis para o diagnóstico apropriado da síndrome de Insuficiência Cardíaca. Na anamnese são importantes os dados epidemiológicos como doença cardíaca na família, doença reumatológica na infância, origem de zona endêmica para doença de Chagas, passado de hipertensão arterial, infarto prévio, tratamento quimioterápico prévio e ingestão de álcool. Devemos procurar os sinais e sintomas decorrentes do baixo débito cardíaco, da hipertensão venocapilar pulmonar, da congestão venosa visceral e periférica.

No exame clínico devemos buscar os sinais da hipoperfusão periférica, de aumento das cavidades cardíacas, de sopros e bulhas patológicas e dos fenômenos congestivos pulmonares e sistêmicos.

11. Quais os sinais no exame físico que são sugestivos de Insuficiência Cardíaca?
Os sinais clínicos sugestivos de Insuficiência Cardíaca incluem extremidades frias, perfusão periférica lentificada, cianose periférica, pulsos finos ou filiforme, às vezes alternante ou arrítmico, pressão arterial sistólica deprimida ou convergente.

Na avaliação do precórdio podemos encontrar íctus cordis globoso e desviado para a linha axilar. É frequente a presença de taquicardia, as bulhas podem estar hipofonéticas (hipossistolia) e na presença de hipertensão pulmonar encontramos a hiperfonese de P2.

A presença do ritmo de galope, decorrente da presença de terceira bulha é altamente preditiva de disfunção sistólica grave. Devido à dilatação dos anéis atrioventriculares, são frequentes os sopros de regurgitação mitral e tricúspide.

A congestão pulmonar determina o aparecimento de estertores crepitantes, subcrepitantes e sibilos esparsos. A abolição ou redução do murmúrio vesicular é indicativa de derrame pleural, mais frequentemente à direita.

A congestão sistêmica determina estase jugular, refluxo hepatojugular, hepatomegalia, ascite e edema de membros inferiores. Cabe ressaltar que o exame físico nem sempre é sensível para o diagnóstico da Insuficiência Cardíaca ou para a sua diferenciação com outras causas de dispneia, pois nos pacientes estáveis a maioria destes sinais está ausente.

12- Quais são os exames que devem ser solicitados na avaliação inicial do paciente com Insuficiência Cardíaca?
Na avaliação inicial são importantes alguns exames gerais como dosagem de eletrólitos (Na+, K+, Mg+), diminuídos pela ação dos diuréticos. Dosagens de ureia e creatinina – avaliam a repercussão renal da ICC e a insuficiência renal concomitante.

A avaliação hematológica é importante para afastar anemia e infecção, que são fatores que frequentemente agravam o quadro de Insuficiência Cardíaca. A urina I afasta a infecção urinária e avalia proteinúria e glicosúria.

A dosagem de hormônios tireiodeanos é importante, principalmente nas pacientes do sexo feminino, visto que os distúrbios da tireoide podem ser causa ou agravam o quadro de Insuficiência Cardíaca.

Os exames de avaliação cardiológica, como eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma, irão nos dar informações importantes para diagnóstico, repercussão, tratamento e prognóstico da cardiopatia.

13. Quais as informações importantes do eletrocardiograma na Insuficiência Cardíaca?
O eletrocardiograma irá nos fornecer informações do ritmo cardíaco, pode detectar arritmias ventriculares ou supraventriculares, presença de bloqueios de condução, isquemia, necrose (áreas inativas), sobrecargas de câmaras (voltagem e desvio de eixo) e pode sugerir uma possível etiologia.

Aproximadamente 20% a 30% dos portadores de Insuficiência Cardíaca se encontram em ritmo de fibrilação atrial, 20% a 25% têm bloqueio do ramo esquerdo e a maioria apresenta alterações da repolarização ventricular.

A presença de área inativa é indicativa de miocardiopatia isquêmica e a combinação de bloqueio de ramo direito associado ao hemibloqueio anterior esquerdo é sugestiva de miocardiopatia chagásica.

Cabe ressaltar que um eletrocardiograma normal é extremamente infrequente nos pacientes com Insuficiência Cardíaca por disfunção sistólica.

14. Quais são os achados mais frequentes na radiografia de tórax de um paciente com Insuficiência Cardíaca?
A presença de cardiomegalia, ou índice cardiotorácico aumentado, é indicativa de aumento de cavidades ventriculares e atriais. Pode demonstrar sinais de congestão pulmonar como proeminência dos hilos, estase vascular, cafalização do fluxo, edema de cisuras, linhas B de Kerley e derrame pleural.

Sinais de hipertensão pulmonar, como abaulamento do tronco da artéria pulmonar, aumento do diâmetro de ramos pulmonares e oligoemia periférica, podem estar presentes. A radiografia pode ainda visualizar processos de condensação por infecção ou infarto pulmonar ou sugerir causas pulmonares para o sintoma de dispneia.

Radiografia de tórax
Radiografia de tórax
  1. Quando devemos solicitar e quais as contribuições do ecocardiograma na avaliação do paciente com Insuficiência Cardíaca?

O ecocardiograma bidimensional com Doppler é o exame imprescindível e está recomendado por todos os consensos na avaliação de qualquer paciente com suspeita de cardiopatia ou com quadro clínico sugestivo de Insuficiência Cardíaca.

O ecocardiograma define, com precisão, a anatomia cardíaca, tamanho das cavidades, espessura das paredes, grau de disfunção sistólica (cálculo de fração de ejeção) e diastólica (ondas de fluxo mitral, veias pulmonares e doppler tecidual), déficits contráteis segmentar ou global. Avalia também a anatomia e o grau de refluxo ou estenoses valvulares, trombos cavitários e derrame pericárdico.

Com o ecocardiograma podemos estimar indiretamente a pressão sistólica da artéria pulmonar, as pressões de enchimento e o débito cardíaco. É de grande utilidade para definir uma determinada etiologia para a Insuficiência Cardíaca como os defeitos congênitos, as lesões valvulares, as disfunções segmentares, os processos restritivos ou obliterativos.

Tem grande importância também na evolução, para avaliação das intervenções terapêuticas, através das modificações na fração de ejeção, diâmetros ventriculares, refluxos valvulares, pressão pulmonar e pressões de enchimento.

Com a utilização do Doppler color e tecidual podemos avaliar também a complacência e o relaxamento e definirmos a presença de alterações da função diastólica. A volemia pode ser estimada pelo calibre e índice de colabamento da veia cava inferior.

Doppler
  1. Qual a importância da dosagem do fator natriurético atrial (BNP) na avaliação do paciente com suspeita de Insuficiência Cardíaca?

O fator natriurético atrial (BNP) é um peptídeo produzido exclusivamente pelos miócitos atriais e ventriculares em reposta à elevação das pressões de enchimento ventricular, e possui ações natriurética, vasodilatadora e antiproliferativas.

Na Insuficiência Cardíaca descompensada, o BNP se encontra elevado na maioria dos pacientes e guarda uma relação muito consistente com a classe funcional e também com o prognóstico. Por apresentar sensibilidade e especificidade elevadas no diagnóstico de Insuficiência Cardíaca, o BNP tem sido preconizado como um teste muito útil na avaliação de pacientes com dispneia na sala de emergência.

É crescente também na literatura a informação de que a dosagem seriada de BNP poderá auxiliar o clínico como guia terapêutico no manuseio da Insuficiência Cardíaca avançada.

Pela Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a dosagem de BNP é essencial nos casos em que os achados de anamneses, exame físico e exames complementares não conseguem definir o diagnóstico na sala de emergência.

Deve-se ressaltar que o BNP pode encontrar-se elevado em outras condições clínicas, como embolia pulmonar, infarto agudo do miocárdio e sepse, sendo necessária clínica sugestiva de insuficiência cardíaca para confirmação do diagnóstico.

17. Quando devemos indicar o cateterismo cardíaco em pacientes com Insuficiência Cardíaca?
O cateterismo é um exame invasivo e deverá ser realizado em situação eletiva, após a compensação máxima do quadro de Insuficiência Cardíaca. Está indicado principalmente quando se suspeita da etiologia isquêmica da miocardiopatia ou para avaliar as repercussões das lesões valvulares congênitas ou adquiridas.

18.Em quais situações a biópsia endomiocárdica deverá ser indicada na avaliação da etiologia da disfunção ventricular?
A biópsia endomiocárdica está indicada em algumas situações muito específicas, como na suspeita de doenças infiltrativas ou de depósitos (amiloidose, hemocromatose, mucopólissacaridoses) e na suspeita de miocardites agudas (viral, eosinofílica, células gigantes) e sarcoidose.

19. Como é feita e qual a importância da avaliação funcional ou o estadiamento da Insuficiência Cardíaca?
São importantes no planejamento terapêutico, na avaliação da resposta ao tratamento e dão informações sobre o prognóstico da doença.

A classificação funcional amplamente adotada é a da NYHA que classifica os pacientes em 4 classes, de acordo com sua limitação (dispneia) para as atividades habituais:

CF I – paciente assintomático;
CF II – paciente sintomático somente aos grandes esforços;
CF III – paciente sintomático aos pequenos e mínimos esforços;
CF IV – paciente com sintomas em repouso.
O estadiamento foi proposto pela AHA (American Heart Association) em quatro estágios:

Estágio A: pacientes portadores de risco elevado para eventos cardiovasculares (hipertensos, diabéticos, ateroscleróticos), porém sem doença cardíaca estrutural;
Estágio B: pacientes com doença cardíaca estrutural, porém assintomáticos;
Estádio C: pacientes com sintomas leves a moderados;
Estádio D: pacientes em fase avançada da doença, com sintomas intensos e refratários ao tratamento clínico otimizado.

  1. Quais os princípios gerais a serem obedecidos no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

O tratamento da Insuficiência Cardíaca deve ser norteado através das seguintes recomendações:

  • Tentar determinar a etiologia e, se possível, corrigir a causa da disfunção ventricular;
  • Afastar os fatores agravantes e/ou precipitante da Insuficiência Cardíaca;
  • Orientar o paciente e familiares sobre a gravidade da doença, ressaltar a importância da dieta hipossódica, restrição hídrica, atividade física e aderência ao tratamento medicamentoso.
  1. – Quais são os principais fatores agravantes ou precipitantes da descompensação cardíaca?

Os principais fatores agravantes ou precipitantes de Insuficiência Cardíaca são listados na tabela 1.

Fatores agravantes ou precipitantes de insuficiência cardíaca
  1. Quais são os objetivos a serem alcançados no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

O tratamento medicamentoso e ambulatorial dos pacientes com Insuficiência Cardíaca sintomática tem a finalidade de aliviar os sinais e sintomas congestivos, aumentar a tolerância ao esforço, melhorar a qualidade de vida, reduzir hospitalizações, diminuir a velocidade da dilatação ventricular (remodelação), controlar as arritmias ventriculares e supraventriculares e prolongar a vida.

  1. Qual a importância da dieta hipossódica e da restrição hídrica para os portadores de Insuficiência Cardíaca?

Na fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca se verifica uma tendência permanente para a retenção de sódio e água, que serão responsáveis pela hipervolemia e consequentes fenômenos congestivos.

A congestão é responsável pela maioria dos sintomas e é a principal causa de hospitalização por Insuficiência Cardíaca descompensada. A hipervolemia também agrava a dilatação ventricular e aumenta o refluxo das valvulares atrioventriculares.

Portanto, para os pacientes sintomáticos e, principalmente, se existe alguma evidência de congestão pulmonar e/ou sistêmica, recomenda-se uma dieta com 2 gramas de sal e restrição hídrica.

  1. Quais os princípios a serem obedecidos na utilização dos diuréticos no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

A despeito de não existirem estudos de grande impacto avaliando os seus efeitos sobre a mortalidade da insuficiência cardíaca, os diuréticos são drogas fundamentais e indispensáveis no manuseio dos pacientes. Não devem ser usados como monoterapia, seu único efeito é o alivio ou a prevenção da congestão. Devem ser usados em doses fracionadas, ao longo do dia, e em doses elevadas nos casos mais graves.

Para os pacientes refratários e descompensados é recomendada a infusão venosa intermitente ou contínua em altas doses e a associação de diuréticos de alça com tiazídicos.

 Devemos monitorar os efeitos colaterais como hipopotassemia, hipomagnesemia, hiponatremia, alcalose metabólica, hipovolemia e piora da função renal.

  1. – Quais são os fatores associados à resistência aos diuréticos na Insuficiência Cardíaca?

Na Insuficiência Cardíaca descompensada não é infrequente encontrarmos pacientes refratários à ação dos diuréticos. As principais causas de refratariedade são a deterioração hemodinâmica com hipotensão grave, piora da função renal, acidose metabólica, hiponatremia, hipoalbuminemia e uso de drogas nefrotóxicas, como anti-inflamatório não hormonal e aminoglicosídeos, e as drogas que promovem retenção hídrica, como gliotazona e corticoide.

  1. – Quais os diuréticos que dispomos para tratamento da Insuficiência Cardíaca?

A maioria dos pacientes necessita de diuréticos de alça como a furosemida em doses de 40 a 320 mg/dia pela via oral, doses de 60 a 320 mg/dia pela via endovenosa e dose de 40 a 160 mg /hora em infusão continua.

Os diuréticos tiazídicos são usados somente pela via oral em dose de 25 a 50 mg/dia, geralmente associados aos diuréticos de alça com o objetivo de potencialização do efeito.

A espironolactona tem pouca potência diurética, mas é muito importante nas fases avançadas da doença, quando pode ter efeito diurético adicional e reduzir a morbidade e a mortalidade da Insuficiência Cardíaca.

Como efeito colateral pode causar hiperpotassema, principalmente em pacientes com insuficiência renal.

  1. – Qual o impacto do digital no tratamento da Insuficiência Cardíaca e quando devemos utilizá-lo?

O papel do digital no tratamento da Insuficiência Cardíaca foi redefinido com os resultados do estudo DIG-TRIAL, que demonstrou que o digital reduz a morbidade e não altera a mortalidade.

Portanto, a utilização do digital está reservada somente para os pacientes que permanecem sintomáticos, após a otimização com os inibidores da ECA, betabloqueador e antagonista da aldosterona.

Pode ser útil também no controle de arritmias supraventriculares e, pela via endovenosa, na Insuficiência Cardíaca descompensada. Devemos utilizar a digoxina na dose de 0,125 a 0,25 mg/dia e manter o nível sérico de 0,5 a 1,0 ng/dl. Lembrar que os pacientes idosos, as mulheres e os portadores de insuficiência renal são subgrupos de maior risco para intoxicação digitálica.

  1. – Qual o impacto dos inibidores da ECA no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

Vários estudos multicêntricos e randomizados, com casuística de mais de 30 mil pacientes, consolidaram a utilização desta droga no tratamento da Insuficiência Cardíaca.

Estas drogas são fundamentais para o tratamento, pois atuam na prevenção da Insuficiência Cardíaca, no alívio dos sintomas, na melhora hemodinâmica, na remodelação ventricular, na redução de hospitalização e na redução de mortalidade.

29. Para quem e como devemos utilizar os inibidores da ECA?
Esta droga está indicada para todos os pacientes com disfunção ventricular sintomática ou assintomática e também para os pacientes de risco para desenvolver doença cardiovascular (hipertensos e diabéticos), com o objetivo de prevenir a Insuficiência Cardíaca. Devemos utilizar doses otimizadas que foram testadas nos estudos clínicos:

captopril: 100 a 150 mg/dia;
enalapril: 20 a 40 mg/dia;
lisinopril: 20 a 40 mg/dia.
Devemos iniciar com doses baixas em pacientes hipotensos e com insuficiência renal, monitorando eletrólitos e a função renal.

  1. – Quais são os principais efeitos colaterais com a utilização dos inibidores da ECA?

Essa droga é bem tolerada pela maioria dos pacientes. Os efeitos colaterais mais frequentes são tosse, hipotensão postural e piora da função renal. A tosse ocorre em aproximadamente 15% a 20% dos pacientes, geralmente nas primeiras semanas de uso, de pouca intensidade e que tende a diminuir na evolução, sendo tolerada pela maioria dos pacientes. Na nossa experiência são poucos os pacientes em que temos que suspender a droga por este efeito colateral.

A hipotensão postural sintomática é pouco frequente mesmo com o uso de doses elevadas; geralmente está presente em pacientes mais graves, mais hipotensos previamente e principalmente nos pacientes hipovolêmicos. Contornamos este problema iniciando com doses mais baixas, com aumento gradual e reduzimos o diurético se houver suspeita de hipovolemia.

A piora da função renal pode ocorrer no início do tratamento, geralmente em pacientes já com função renal alterada de base, e tende a se estabilizar e retornar para os valores de creatinina basal.

Assim, a presença de insuficiência renal não é contraindicação para utilização dos IECA e também não é motivo para sua suspensão. Pelo contrário, existe evidência consistente na literatura que os IECA interferem favoravelmente na história da nefropatia de qualquer etiologia.

As contraindicações absolutas para utilização dos IECA são estenose de artéria renal bilateral, gravidez, potássio maior que 5,5, creatinina maior que 3,5,clearance de creatinina <20 ml.

  1. – Quais são as recomendações para a utilização dos bloqueadores do receptor de angiotensina II na Insuficiência Cardíaca?

Estão indicados formalmente para os pacientes que não toleram os inibidores da ECA. Estudos recentes demonstram que a associação de inibidores da ECA com bloqueadores dos receptores de angiotensina II reduzem a morbidade e a mortalidade dos pacientes com Insuficiência Cardíaca sintomática, porém aumentam a incidência de efeitos colaterais, como hipotensão sintomática e piora da função renal.

Portanto, nos pacientes muitos sintomáticos e já com doses otimizadas do inibidor da ECA, pode-se associar o bloqueador do receptor AT2 e recomenda-se a monitoração da função renal e de eletrólitos.

  1. Quais são as recomendações para a utilização de bloqueadores do receptor de angiotensina II associado a receptor da neprilisina

Indicados nos pacientes que permanecem sintomáticos mesmo após doses altas IECA.

  1. – Qual o impacto dos bloqueadores dos receptores de aldosterona (espironolactona e eplerenone) na história natural da Insuficiência Cardíaca?

Na fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca, a aldosterona se encontra elevada pela ativação do SRAA, pela sua produção no miocárdio e na parede vascular e pela redução da sua metabolização hepática.

A aldosterona desempenha um papel importante por atuar na retenção de sódio e água, na excreção de potássio e magnésio, determinar hipertrofia miocárdica e de parede vascular e, principalmente, interferir desfavoravelmente no processo de remodelação ventricular e vascular, estimulando a formação de fibrose.

 A utilização da espironolactona em pacientes com Insuficiência Cardíaca sintomática promove significativa redução de morbidade e mortalidade. A utilização do eplerenone, um antagonista mais seletivo do receptor de aldosterona, em pacientes com disfunção ventricular, após infarto do miocárdio, reduz significantemente a morbidade e a mortalidade, com grande impacto da redução de morte súbita, mas não está disponível no Brasil.

  1. – Quando e como utilizar a espironolactona na Insuficiência Cardíaca?

Sua utilização está recomendada para todos os pacientes com disfunção ventricular sintomática na dose de 25 a 50 mg/dia. Seus principais efeitos colaterais são:

  • Ginecomastia: ocorre em aproximadamente 10% dos pacientes tratados e é geralmente bem tolerada.

· Hiperpotassemia: ocorre em aproximadamente 2% a 5% pacientes, principalmente naqueles com função renal alterada ou muito idosos. Nestes pacientes utiliza-se a dose de 25 mg/dia, monitorando-se o potássio sérico nas primeiras semanas.

Contraindicações: creatinina  >2,5 ou potássio > 5,9.            

  1. – Qual o impacto dos betabloqueadores no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

A ativação simpática está presente frente a qualquer grau de disfunção ventricular e exerce uma série de efeitos deletérios na evolução da doença. A ativação simpática é mediada pela elevação dos níveis circulantes e tecidual de catecolaminas, que determinam vasoconstricção, isquemia, taquicardia, aumento do consumo de oxigênio, apoptose e miocitonecrose. Na ativação simpática existe uma regulação para baixo dos receptores beta-1 adrenérgicos e consequente queda do desempenho cardíaco.

Vários estudos multicêntricos e randomizados demonstraram efeitos extraordinariamente benéficos deste fármaco na morbidade e na mortalidade da Insuficiência Cardíaca, com redução dos sintomas, aumento da fração de ejeção, redução dos volumes e diâmetros ventriculares e redução de morte por falência ventricular e, principalmente, por redução da morte súbita.

  1. – Quais os betabloqueadores e que doses devemos utilizar no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

Os grandes estudos utilizaram os betabloqueadores seletivos de segunda geração metoprolol e bisoprolol e o betabloqueador não seletivo de terceira geração carvedilol; este, além do efeito de bloqueador dos receptores adrenérgicos, possui efeitos acilares de vasodilatação pelo bloqueio alfa periférico e antioxidante. Não está demonstrado benefício maior de uma droga sobre a outra.

As doses preconizadas são aquelas utilizadas pelos trials:

  • metoprolol: 200 mg/dia;
  • bisoprolol: 10 mg/dia;
  • carvedilol 50 mg/dia.

Devemos iniciar o tratamento com o paciente compensado, sem congestão e sem estar usando drogas vasoativas. Iniciamos com doses baixas, com aumentos semanais e procuramos atingir as doses plenas em 4 a 6 semanas.

Ressaltamos que nos pacientes mais graves pode ocorrer piora inicial dos sintomas de Insuficiência Cardíaca, e só vamos observar os efeitos benéficos plenos após alguns meses de tratamento.

  1. – Quais são as contraindicações para o uso dos betabloqueadores no tratamento da Insuficiência Cardíaca?

A rigor não existem contraindicações absolutas, existem situações de maior risco para efeitos adversos. De modo geral, 80% a 90% dos portadores de Insuficiência Cardíaca toleram o tratamento otimizado com betabloqueador.

Estas drogas demonstram efeitos benéficos em pacientes de ambos os sexos, em idosos, com cardiopatia isquêmica e não isquêmica, em qualquer classe funcional e são bem toleradas por diabéticos, pulmonares crônicos e portadores de vasculopatia periférica.

Os efeitos adversos mais frequentes são fraqueza, hipotensão arterial, bradicardia, broncoespasmo e piora dos sintomas de Insuficiência Cardíaca. Estes, geralmente, são transitórios e raramente impossibilitam a otimização do tratamento.

A bradicardia sinusal em repouso não é contraindicação para uso do betabloqueador. Nesta situação, devemos avaliar a frequência cardíaca em esforço, suspender drogas dromotrópicas negativas (digital e amiodarona) e na vigência de bloqueios atrioventriculares avançados devemos considerar o implante de marcapasso.

O bisoprolol é mais bem toletado nos pacientes pneumopatas.

  1. – No início do tratamento da Insuficiência Cardíaca devemos otimizar primeiro o inibidor da ECA ou o betabloqueador?

Ambas as drogas exercem impacto altamente positivo sobre a morbidade e a mortalidade dos pacientes com Insuficiência Cardíaca. Estudo recente demonstra que a otimização pode ser iniciada com qualquer uma das duas. Nos pacientes mais estáveis podemos inclusive promover a otimização simultânea de ambas.

  1. –Qual a indicação para o uso de ivabradina na Insuficiência Cardíaca?

Seu uso está indicado para os pacientes, que a despeito do uso de IECA, beta-bloqueador e inibidor da aldosterona na dose máxima tolerável, ainda permaneçam sintomáticos, com FC >70bpm e fração de ejeção menor que 35%.

  1. Em que situações devemos indicar a anticoagulação oral para os pacientes com Insuficiência Cardíaca?

A anticoagulação está indicada para os subgrupos que apresentam maior risco de fenômenos tromboembólicos como tromboembolismo pregresso, fibrilação atrial e presença de trombo cavitário. É muito importante não esquecer-se da profilaxia para trombose venosa profunda nos pacientes com Insuficiência Cardíaca descompensada quando são hospitalizados.

  1. – Como devemos tratar as arritmias ventriculares (extrassístoles ventriculares e taquicardia não sustentada) nos portadores de disfunção ventricular?

Estas arritmias estão presentes em mais de 80% dos portadores de disfunção ventricular moderada a grave. Não dispomos de nenhuma droga com propriedade antiarrítmica eficaz e, a maioria das existentes, aumentam o risco de morte pelos seus efeitos pro-arrítmicos.

 A amiodarona não reduz o risco de morte nesta população e, portanto, não deve ser utilizada neste contexto. É importante destacar que os betabloqueadores e a espironolactona têm impacto favorável na redução do risco de morte súbita.

  1. – Quando devemos indicar a terapêutica de ressincronização ventricular com marcapasso multisítio na Insuficiência Cardíaca?

Aproximadamente 20% a 25% dos portadores de Insuficiência Cardíaca avançada apresentam bloqueio completo do ramo esquerdo (QRS>120 ms). A presença de bloqueio do ramo esquerdo está associada a uma grande probabilidade de existir dissincronia interventricular e esta determina redução do desempenho ventricular e favorece a insuficiência mitral.

A ressincronização com marcapasso biventricular determina melhora hemodinâmica, aumento de fração de ejeção e redução da insuficiência mitral. Os estudos randomizados e multicêntricos demonstraram que a terapia de ressincronização determina melhora da classe funcional, aumento da tolerância ao esforço, redução de hospitalização e redução de mortalidade.

Os critérios para sua indicação são pacientes com Insuficiência Cardíaca avançada (CF III e IV), com fração de ejeção <35%, com QRS>120 ms e com dissincornia comprovada no ecocardiograma, de preferência com a técnica do Doppler tecidual.

  1. – Quando devemos indicar o implante do cardiodesfibrilador (CDI) nos portadores de disfunção ventricular?

O cardiodesfibrilador, dispositivo de altíssimo custo, está indicado para os pacientes recuperados de morte súbita e para portadores de taquicardia ventricular sustentada (prevenção secundária de morte súbita), como prevenção secundária.

Nesta população de alto risco, existe forte evidência de redução de mortalidade e custo-efetividade aceitável. A despeito de existir evidência de redução de mortalidade com implante de CDI na prevenção primária da morte súbita (pacientes com fração de ejeção <30% e classe funcional II e III), a sua implementação nesta população não tem custo-efetividade aceitável em termos de saúde pública em nosso meio.

  1. – Qual é a abordagem para os pacientes com Insuficiência Cardíaca descompensada?

A Insuficiência Cardíaca crônica é uma doença progressiva e, a despeito do tratamento otimizado, os pacientes podem apresentar descompensação do quadro de Insuficiência Cardíaca com necessidade de hospitalização.

O primeiro passo é tentar identificar a causa da descompensação: não aderência ao tratamento, uso de subdoses da medicação, uso de anti-inflamatórios não hormonais, piora da função renal, infecção respiratória, tromboemboslismo pulmonar, isquemia miocárdica e arritmias ventriculares ou supraventriculares.

Na avaliação inicial devemos tentar determinar o perfil hemodinâmico do paciente. Os pacientes com sintomas predominantes de congestão e sem sinais de baixo débito (perfil quente e úmido) irão receber diurético endovenoso e vasodilatador.

Já os pacientes com sintomas de baixo débito cardíaco predominante (perfil frio e seco) deverão receber drogas inotrópicas pela via venosa, como a dobutamina na dose de 5 a 10 mcg/kg/dia.

Ressaltamos que é importante manter a medicação em uso e não suspender o betabloqueador. Os pacientes com quadros congestivos graves podem necessitar de furosemida endovenosa contínua nas doses de 10 a 40 mg/hora ou serem submetidos à ultrafiltração.

  1. – Quais as formas de tratamento cirúrgico da Insuficiência Cardíaca?

Em todos os pacientes com disfunção ventricular, devemos procurar doenças tratáveis pelas cirurgias convencionais. As lesões orgânicas valvulares (estenoses ou insuficiências) devem ser abordadas cirurgicamente, mesmo na vigência de disfunção ventricular severa. A miocardiopatia isquêmica devera ser tratada com revascularização cirúrgica ou percutânea.

Extensas áreas de fibrose e o aneurisma ventricular devem ser ressecados para promover a remodelação ventricular reversa. O transplante cardíaco é o único procedimento cirúrgico amplamente aceito para o tratamento da Insuficiência Cardíaca avançada e refratária ao tratamento clínico otimizado.

  1. – Quando devemos encaminhar o paciente com insuficiência para uma avaliação para possível transplante cardíaco?

Com a otimização da terapêutica medicamentosa com inibidores da ECA, espironolactona, betabloqueadores e diuréticos a maioria dos pacientes com disfunção ventricular permanece estável e pouco sintomático.

Devemos encaminhar, para um possível transplante cardíaco, somente os pacientes com disfunção ventricular grave, fração de ejeção <30%, que a despeito do tratamento clínico otimizado, permanecem muito sintomáticos (CF III e IV), com baixa tolerância ao esforço (VO2 < 12 ml/kg/min), com hospitalizações frequentes por descompensação da Insuficiência Cardíaca, e pacientes com arritmia ventricular de alto risco.

  1. – Leitura recomendada

ACC/AHA 2017 – Guideline update for diagnosis and management of chronic heart failure in  the adult. www.americanheart.org.

ESC guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2016.

www.escardio.org

IV diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardiac aguda e crônica. Arq Bras Cardiol 2018;111(supl 3):436-539. www.cardiol.br

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Justificativa e desenho de um estudo em grande escala baseado em aplicativo para identificar arritmias cardíacas usando um smartwatch: The Apple Heart Study.

Níveis de potássio sérico, arritmias cardíacas e mortalidade após infarto do miocárdio sem elevação de ST ou angina instável: insights do MERLIN-TIMI 36

Teste de prevenção de infecção de dispositivo de arritmia: o teste PADIT


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