Pancreatite Aguda: confira artigo “Em destaque” do portal Medicina Atual
A pancreatite é uma inflamação do pâncreas que pode ser aguda ou crônica. Entre os motivos para seu desenvolvimento estão o consumo de álcool, a obstrução das vias biliares ou a fibrose cística. Mas quando se trata de casos de casos mais graves, você sabe como identificar os principais sintomas, diagnóstico e tipo de tratamento?
Neste artigo da coluna “Em Destaque”, do portal Medicina Atual, o médico gastroenterologista Dr. Julio Maria Fonseca Chebli, professor da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do Curso Revisamed-Revisional em Medicina faz um abordagem completa sobre o Pancreatite Aguda desde à etiologia, passando pela estratificação de gravidade da doença e formas de tratamento.
O tema é recorrente nas provas de Residência Médica, sendo umas das aulas do Revisamed classificadas com 5 estrelas, ou seja, aparece com nas questões de provas. Ao final do artigo, você ainda terá o Caderno Digital de perguntas e respostas sobre o tema do Revisamed, uma conteúdo completo para você se preparar para as provas de residências médicas.
Vale a pena conferir o artigo.
Bons estudos!
A seguir, você vai saber:
Pancreatite Aguda
Introdução
A pancreatite aguda (PA) é uma condição inflamatória aguda que ocasiona dano local ao pâncreas, acometendo variavelmente o tecido peripancreático e/ou sistemas orgânicos remotos, podendo evoluir para falência de um ou mais órgãos em casos graves. Trata-se da principal urgência gastroenterológica que demanda internação hospitalar. A incidência mundial desta condição é crescente, principalmente pela epidemia da obesidade e uso abusivo de álcool. A mortalidade associada à PA permanece relativamente estável, em 1 a 2% dos casos, sendo mais alta nas formas mais graves.
Na maioria das vezes, os pacientes apresentam a forma leve, com doença restrita ao pâncreas, sem que haja complicações. Entretanto, em 15-20% dos casos a evolução é grave, associada à necrose glandular ou peripancreática e às complicações locais ou sistêmicas.
Etiologia
As causas mais frequentes de PA são a colelitíase, responsável por 40 a 60% dos casos, e o uso abusivo de álcool (geralmente representando uma exacerbação de pancreatite crônica subjacente), devendo ambas as condições serem investigadas em todos os pacientes. Na ausência das mesmas, é importante avaliar outras etiologias menos usuais. Algumas infecções, anormalidades genéticas e alterações anatômicas devem ser consideradas, além de neoplasia pancreática em pacientes com mais de 40 anos.
Diante de um paciente com PA é mandatória a realização de ultrassonografia de abdome superior para excluir colelitíase, pelo menos em duas ocasiões, sendo uma delas após a recuperação clínica do paciente. Nas primeiras 24-48h do início da PA, níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT) acima de três vezes o limite superior da normalidade têm valor preditivo positivo elevado para apontar a etiologia biliar, embora níveis normais não excluam.
A etiologia alcoólica predomina em homens entre 40 e 60 anos de idade, com história de consumo abusivo de álcool, acima de 50 gramas por dia, embora menos de 5% dos pacientes com essa taxa de consumo desenvolvam PA. Hipertrigliceridemia corresponde até 3-5% dos casos de PA, sendo a 3ª causa identificável de PA. O risco é maior quando os níveis se encontram acima de 1.000 mg/dL. Medicamentos são causas menos comuns de PA, correspondendo a cerca de 1% dos casos, sendo necessário alto índice de suspeição. As drogas mais fortemente associadas são α-metildopa, azatioprina, sulfassalazina, salicilatos, asparaginase, cimetidina, estrogênio, furosemida, pentamidina, metronidazol, tetraciclina, ácido valproico e pentamidina.
Considera-se como PA idiopática quando não for possível identificar a etiologia por meio de avaliação clínica, exames laboratoriais e de imagem. Os exames laboratoriais devem incluir aminotransferases, triglicérides e cálcio. Nos casos que permanecem indefinidos após avaliação inicial, a ecoendoscopia pode ser útil para definição etiológica.
Diagnóstico
O diagnóstico de PA deve ser estabelecido quando pelo menos 2 dos 3 critérios abaixo estiverem presentes:
1. Dor abdominal típica.
2. Aumento do nível sérico de lipase ou amilase, acima de três vezes o limite superior da normalidade.
3. Alterações características de PA nos métodos de imagem, especialmente na TC e RNM de abdome.
Quadro clínico
O principal sintoma da PA é a dor abdominal, presente em mais de 95% dos pacientes. Geralmente, é de instalação súbita, de moderada a forte intensidade, localizada em andar superior do abdome, com irradiação para o dorso em cerca de metade dos casos (“dor em barra”), podendo irradiar para os flancos, tórax, ombros e abdome inferior. Atinge intensidade máxima dentro das primeiras horas e, caracteristicamente, persiste por mais de 24 h. Pode ser agravada pela alimentação e tem alívio parcial com analgésicos opioides ou posição antálgica genupeitoral.
Em casos de PA grave, a dor pode permanecer por vários dias e se tornar generalizada devido à peritonite. Na maioria das vezes, observa-se náuseas e vômitos associados, por vezes incoercíveis. A febre pode ser identificada decorrente de resposta inflamatória. Quando elevada e em um paciente ictérico, deve-se pensar na possibilidade de colangite aguda concomitante.
Ao exame, o paciente geralmente apresenta-se desidratado e, nos casos de PA biliar, pode estar ictérico. Ao exame abdominal, observa-se dor em hipocôndrio direito e/ou epigástrio, com defesa muscular, mas raramente com descompressão dolorosa. Pode haver distensão abdominal e diminuição do peristaltismo em decorrência do íleo paralítico, secundário ao processo inflamatório pancreático.
Taquicardia, hipotensão e oligúria podem ocorrer e são secundárias à hipovolemia, vasodilatação e síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS). Alterações da ausculta pulmonar podem ser indicativas de derrame pleural, comumente à esquerda, geralmente, nos casos de maior gravidade, podendo ocorrer insuficiência respiratória grave secundária à síndrome do desconforto respiratório agudo decorrente de SIRS grave.
Exames laboratoriais
A amilase sérica é a enzima mais utilizada para o diagnóstico de PA, por ser amplamente disponível e de fácil acesso. Tipicamente na PA, o aumento sérico é identificado nas primeiras 6 horas do início da dor, com pico em 48h e normalização em 3 a 5 dias. Quando acima de três vezes, o limite superior da normalidade é muito sugestiva de PA. Em contrapartida, seus níveis podem aumentar em outras doenças abdominais como apendicite aguda, colecistite aguda, isquemia ou obstrução intestinal, úlcera péptica perfurada, gravidez ectópica rota, dentre outras.
A lipase tem sensibilidade de 85 a 100% para o diagnóstico de PA e é mais específica do que a amilase, por ser sintetizada exclusivamente pelo pâncreas. O aumento ocorre dentro de 4 a 8 horas do início da dor, com pico em 24 horas, persistindo elevada por até 2 semanas, possibilitando o diagnóstico tardio da PA. Importante ressaltar que o grau de elevação das enzimas pancreáticas não se correlaciona com a gravidade do quadro.
Os níveis séricos de amilase podem estar normais em pacientes com PA causada por hipertrigliceridemia e naqueles com pancreatite crônica. Não há indicação para monitorização da PA, através de dosagens seriadas destas enzimas. O aumento dessas enzimas não é específico de PA e não devem ser usadas isoladamente para esse diagnóstico. Outras condições podem levar ao aumento dos níveis séricos de lipase e amilase (Tabela 1).
A proteína C-reativa, embora não seja utilizada como critério diagnóstico, permite avaliar a gravidade da PA após 48h de evolução. Quando acima de 150mg/dL após 48h do início do quadro, tem boa correlação com necrose pancreática.
Exames de imagem
A avaliação radiológica deve ser realizada na admissão hospitalar, se houver dúvida diagnóstica em pacientes com sintomas atípicos ou com enzimas séricas normais. A TC abdominal com contraste é o exame de escolha para o diagnóstico nesses casos, com sensibilidade e especificidade superiores a 90%. Naqueles com alergia ao contraste iodado ou injúria renal aguda (creatinina sérica > 2mg/dL), pode ser realizada a RNM.
A TC e a RNM podem ser utilizadas para identificar complicações locais, mas não devem ser realizadas com essa finalidade nas primeiras 72 h, pois o exame precoce pode subestimar os achados de gravidade. As complicações devem ser suspeitadas nos pacientes com preditores de doença grave e naqueles que evoluem com quaisquer das seguintes características: dor abdominal prolongada e sem alívio; sinais persistentes de SIRS; deterioração clínica; impossibilidade de retornar a dieta oral devido a dor abdominal ou intolerância ou massa abdominal.
A ultrassonografia abdominal na PA tem a finalidade de investigar uma etiologia biliar. O exame apresenta limitação na visualização adequada do pâncreas pela distensão gasosa frequente nesses pacientes.
A radiografia simples de abdome (em decúbito e ortostática) é útil para excluir outras causas de dor abdominal, tais como obstrução e perfuração intestinal. Na PA, às vezes, é possível identificar distensão de um ou mais segmentos de alça do intestino delgado (alça sentinela). A radiografia do tórax pode revelar derrame pleural, atelectasia basal ou linear ou infiltrados pulmonares.
Diagnóstico diferencial
A PA deve ser diferenciada de diversas outras afecções intra e extra-abdominais. As principais condições a serem consideradas são a úlcera péptica perfurada, que é o principal diagnóstico diferencial, colecistite aguda, coledocolitíase, colangite aguda, obstrução intestinal, isquemia/infarto mesentérico, aneurisma dissecante/roto da aorta, apendicite aguda, infarto agudo do miocárdio, cólica renal e cetoacidose diabética.
Estratificação de gravidade
Seguindo o diagnóstico de PA e a internação do paciente, um passo importante é a estratificação da gravidade da PA. Pacientes com PA leve devem ser conduzidos na enfermaria, enquanto aqueles com as formas moderada ou grave, em unidade de terapia intensiva (UTI) ou de cuidados intermediários.
A avaliação precoce (dentro de 24 h) da gravidade da PA ainda é um desafio na prática clínica e nem sempre é fácil de ser realizada, pois ainda não existem critérios inteiramente fidedignos para identificar precocemente as formas graves. Neste contexto, a reavaliação periódica dos pacientes é crucial, a fim de detectar sinais precoces de piora clínica com intuito de se adotar uma conduta imediata com relação ao tratamento e o nível de cuidado.
A Classificação de Atlanta Revisada (2012) é amplamente utilizada e estratifica o episódio de PA como leve, moderado ou grave (Tabela 2).
As complicações locais compreendem coleções líquidas peripancreáticas, pseudocistos e necrose pancreática/peripancreática, podendo ser estéril ou infectada. Essas complicações locais aumentam a morbidade da PA, entretanto, a mortalidade está mais associada à disfunção orgânica definida pelo escore de Marshall modificado, quando 2 ou mais dos seguintes critérios estão presentes: disfunção respiratória (PaO2/FiO2 ≤300); renal: creatinina > 1,9 mg/dL; cardiovascular: PAS < 90 mmHg, não responsiva à reposição volêmica.
A disfunção orgânica pode ser transitória (< 48h) ou persistente (> 48h), e envolver um ou mais sistemas orgânicos. Quando persistente ou múltipla, há aumento significativo da mortalidade, sendo o principal determinante de desfecho desfavorável. A presença de SIRS no primeiro dia da admissão prediz PA grave com sensibilidade de 85 a 100%, embora a especificidade seja de apenas 40%, enquanto sua ausência nas primeiras 24h tem elevado valor preditivo negativo (98-100%). Por outro lado, SIRS persistente por ≥ 48 horas é um forte preditor de PA grave. Na Tabela 3 apresentamos alguns preditores precoces de PA grave.
O hematócrito elevado na admissão pode indicar perda volêmica com prejuízo da microcirculação do pâncreas e maior risco de necrose pancreática; de modo oposto, a ausência de hemoconcentração na admissão é altamente sugestiva de curso benigno da PA, com valor preditivo negativo próximo de 90% para PA necrosante. O pico de creatinina sérica acima de 1,8 mg/dl dentro de 48 h da admissão, a despeito da adequada reposição volêmica, apresenta valor preditivo positivo de mais de 90% para PA necrosante.
O escore clínico denominado HAPS (Harmless Acute Pancreatitis Score) é simples e muito útil para a rápida estratificação inicial da PA não grave no setor de emergência, identificando corretamente um curso de PA leve na maioria dos pacientes dentro da primeira hora.
É composto de três parâmetros: ausência de descompressão brusca dolorosa ou de defesa à palpação abdominal, hematócrito normal (até 43% para homens e 39,6% para mulheres) e creatinina ≤ 2 mg/dl. O escore HAPS corretamente identificou, dentro de aproximadamente 30 minutos da admissão, um curso leve da PA em mais de 90% dos pacientes.
Tratamento
Medidas gerais
Não existem evidências, até o momento, de que uma terapia farmacológica específica altere a história natural da PA. Nos casos de PA leve, o tratamento baseia-se na hidratação venosa, interrupção temporária da dieta oral, analgesia endovenosa e correção de distúrbios metabólicos ou hidroeletrolíticos. A maioria dos pacientes não necessita de nenhuma terapia complementar e é capaz de retornar à alimentação oral após 24-48 h.
Os pacientes com PA grave e aqueles em maior risco de complicação devem ser monitorizados em centros de terapia intensiva e acompanhados por equipe multidisciplinar. Idealmente, um centro que maneje esses pacientes deve dispor de especialistas em gastroenterologia, cirurgia, endoscopia avançada, radiologia intervencionista, terapia intensiva e nutrição.
Um ponto importante é a identificação e remoção do fator etiológico da PA, fundamental na prevenção de recorrências da doença.
Reposição volêmica
A reposição volêmica precoce e adequada é fundamental para melhorar a evolução da doença, podendo diminuir o risco de necrose pancreática e ajudar na prevenção/resolução da insuficiência orgânica. Entretanto, a ressuscitação agressiva e excessiva de fluidos, além daquela necessária para corrigir a hipovolemia pode ocasionar edema pulmonar e aumento da pressão abdominal, resultando em síndrome do compartimento abdominal.
A hidratação venosa é mais importante nas primeiras 12 a 24 h visando alterar o curso da PA. Nas primeiras 24-48 h parece razoável a administração intravenosa de 150 a 250 ml/h ou 5 a 10ml/kg/hora de solução cristaloide, sendo o ringer lactato recomendado, pois reduz os parâmetros de inflamação sistêmica. A hidratação venosa usual nas primeiras 24 h deve estar entre 2.500 ml a 4.000 ml. Na prática, desde que não haja contraindicação para a rápida reposição volêmica, sugere-se que ainda no setor de urgência, seja prescrita uma fase rápida de 1.000ml de ringer lactato para todo paciente com PA.
Faz-se necessário a realização de reavaliações clínicas frequentes, visando adequar o fluxo da reposição volêmica, particularmente nas primeiras 24 h. Os ajustes na reposição volêmica visam manter a pressão arterial média entre 65-90 mmHg, a pressão venosa central entre 8-12mmHg, o hematócrito abaixo de 45% nos homens e de 39% em mulheres e, especialmente, um débito urinário ≥ 0,5ml/kg/h.
A administração de coloides não é recomendada rotineiramente, podendo ser considerada em situações específicas: concentrado de hemácias quando o hematócrito estiver abaixo de 25% e albumina humana se albumina sérica for menor que 2g/dl. A presença de hipotensão refratária à reposição volêmica adequada deve ser tratada com vasopressores.
Analgesia
A analgesia deve ser feita de acordo com a intensidade da dor, utilizando desde analgésicos não narcóticos até os derivados opioides, com preferência para a hidromorfina ou o tramadol. A quantidade e a frequência de administração de opioides devem ser supervisionadas de perto.
Na presença de dor abdominal intensa refratária à administração de narcóticos, pode ser utilizada a analgesia por cateter epidural torácico e controlada pelo paciente.
Nutrição
Diversos estudos demonstraram que a nutrição precoce na PA é benéfica, mantendo o trofismo intestinal, reduzindo a translocação bacteriana, bem como o risco de necrose pancreática infectada e de outras complicações infecciosas.
A dieta por via oral deve ser retornada de preferência a partir de 24 h de evolução dos sintomas, assim que houver redução da dor e retorno do peristaltismo intestinal. Não é necessário que haja a normalização dos níveis séricos de amilase ou lipase para reiniciar a dieta oral. A dieta oral a ser iniciada pode ser pastosa ou sólida e de conteúdo padrão em termos de carboidratos, proteínas e gorduras. Caso não haja tolerância para via oral em 24 a 48 h, deve-se iniciar dieta enteral. Os principais motivos de intolerância da dieta oral são dor abdominal, náuseas e vômitos persistentes.
Nos casos de PA grave, em que a dieta oral não é tolerada, está indicada a nutrição enteral polimérica ou semi-elementar. Deve-se aguardar em torno de 48-72h do início da PA para se iniciar a dieta enteral, período este fundamental para a estabilização hemodinâmica e respiratória do paciente e de tentativa de reintrodução da dieta oral se julgado apropriada.
A dieta por sonda nasogástrica, por ser de realização mais simples e rápida, já que não necessita de posicionamento através de endoscopia digestiva, geralmente, é a de primeira escolha. Se não tolerada, por obstrução mecânica gastroduodenal ou íleo paralítico difuso, indica-se a via nasojejunal. Ressalta-se, que os estudos não demonstraram superioridade da nutrição nasojejunal sobre a nasogástrica, no que diz respeito à redução de mortalidade, necessidade de cirurgia e recidiva da dor abdominal.
Pacientes que não apresentam boa tolerância à dieta enteral ou cuja necessidade calórica não é preenchida pela nutrição enteral, podem iniciar dieta parenteral a partir do 5° dia de evolução. Mesmo nestes casos, recomenda-se associar a dieta enteral com baixo volume (por exemplo, 10 ml/hora) para manter o trofismo intestinal e reduzir a translocação bacteriana e infecções.
Antibioticoterapia
A antibioticoprofilaxia não é recomendada de rotina na PA. O uso indiscriminado de antibióticos na PA grave associa-se com superinfecções, inclusive as fúngicas no leito pancreático.
O tratamento com antibióticos deverá ser utilizado em pacientes com PA apresentando sinais de infecção local ou sistêmica. A infecção da necrose pancreática, geralmente, ocorre após a 1ª semana da doença. Os microrganismos que infectam a necrose pancreática são de origem gastrointestinal como Escherichia coli, enterococos e anaeróbios.
As evidências que sugerem a presença de infecção local ou sistêmica são deterioração clínica do paciente, persistência de febre, SIRS ou de falência orgânica após a 1ª semana de evolução da PA ou evidência de gás na loja pancreática TC abdominal. Nesse caso, indica-se realizar culturas e iniciar o tratamento antibiótico empírico de amplo espectro com carbapenêmicos ou quinolona, associada ao metronidazol, até que os resultados da cultura sejam disponíveis.
A antibioticoterapia deve ser mantida por pelo menos 7 a 10 dias. Se houver deterioração clínica enquanto em antibioticoterapia, deve-se fazer a punção e drenagem das coleções possivelmente infectadas, de preferência por via percutânea, visando estabilização clínica; caso indisponível, pode-se realizar tratamento cirúrgico minimamente invasivo.
Esfincterotomia endoscópica
A realização da CPRE com esfincterotomia endoscópica de urgência (dentro de 24-48 h) está indicada naqueles pacientes com PA biliar que apresentem colangite aguda concomitante. No contexto de persistência de obstrução biliar confirmada pela colangioressonância, a CPRE eletiva também é justificável.
Tratamento Cirúrgico
Pacientes com PA biliar leve devem ser submetidos à colecistectomia videolaparoscópica assim que houver resolução da pancreatite, ainda na mesma internação; aqueles com PA biliar moderada a grave, especialmente que apresentam coleções abdominais ou necrose extensa, a cirurgia deve ser postergada até que a inflamação aguda e as coleções tenham se resolvido ou delimitado adequadamente. Neste contexto, a colecistectomia deve ser postergada para cerca de 6 semanas após a resolução do quadro.
Dentre as pancreatites graves, algumas poderão evoluir com síndrome do compartimento intra-abdominal, devido ao edema pancreático e hiper-hidratação. Esta condição é definida pela pressão intra-abdominal > 25 mmHg, e ocasiona redução do retorno venoso, distúrbio hemodinâmico, insuficiência renal aguda, e piora dos parâmetros ventilatórios.
Nesses casos, a abordagem cirúrgica com laparotomia descompressiva pode ser necessária em até 10% dos casos, quando outras medidas como punções guiadas com esvaziamento de coleções, restrição da oferta de líquidos endovenosos, dentre outras medidas, não forem bem sucedidas na redução significativa da pressão intra-abdominal.
Coleções necróticas agudas não são tratadas cirurgicamente de forma rotineira. Caso seja necessária intervenção cirúrgica, idealmente, deve-se aguardar pelo menos quatro semanas após o diagnóstico para que ocorra a organização da necrose. Indica-se abordagem de quando ocorre deterioração clínica com suspeita ou confirmação de infecção, falência orgânica persistente, obstrução do trato gastrointestinal por efeito de massa ou dor abdominal persistente.
Os procedimentos indicados nesses casos são minimamente invasivos, que incluem a drenagem percutânea por cateter, drenagem transmural endoscópica, necrosectomia transmural endoscópica e o desbridamento retroperitoneal vídeo-assistido. O planeamento da abordagem deve ser individualizado e levar em conta a disponibilidade e experiência da instituição. A seguir, apresentamos um algoritmo sugerido para o manejo de pacientes com PA (Figura 1).
Referências bibliográficas
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Vivian E, Cler L, Conwell D, Coté GA, et al. Acute Pancreatitis task force on quality: development of quality indicators for acute pancreatitis management. Am J Gastroenterol 2019;114:1322-1342.
Pancreatite Aguda
1. Qual a definição de pancreatite aguda (PA)? Qual a epidemiologia?
A pancreatite aguda caracteriza-se por um processo inflamatório agudo do pâncreas, com início súbito de sinais e sintomas característicos.
Atualmente, a PA é classificada em leve, moderadamente grave e grave, segundo os critérios revisados de Atlanta (2012). A gravidade da pancreatite está relacionada com o nível de mediadores inflamatórios lançados na circulação e a consequente resposta sistêmica.
Nos últimos anos, observamos um aumento da incidência da doença, relacionado com a epidemia mundial de obesidade e o aumento da prevalência de cálculos biliares.
Nos quadros graves, encontramos os maiores índices de óbito (2%), com consideráveis riscos em idosos, pacientes com comorbidades prévias, infecções intra-hospitalares e falência orgânica.
2. Qual a fisiopatologia da PA?
A fisiopatologia da PA ainda não é totalmente compreendida. Acredita-se que, após a ocorrência de um episódio desencadeador (fator agressor), uma cascata de eventos se sucedem para que haja a inflamação do pâncreas. Em um primeiro momento, surgem alterações na célula acinar (1ª FASE – ativação intra-acinar de enzimas pancreáticas), culminando com a ativação precoce do zimogênio localizado intracelularmente. Há uma falha nos mecanismos de defesa antitripsina. Os eventos celulares ocorrem minutos após a exposição ao fator causal, tendo sido demonstrado que os peptídeos da ativação do tripsinogênio são gerados em um compartimento distinto, dentro da célula, e precocemente no início da pancreatite.
A lesão celular pelas enzimas ativadas aciona a liberação de substâncias (citocinas) que ativam o sistema complemento e as plaquetas, além de atraírem neutrófilos e propiciarem a formação de radicais livres de oxigênio, iniciando assim um processo inflamatório local (2ª FASE – fase inflamatória intra-acinar); isso leva à alteração de permeabilidade capilar, contribuindo para formação de edema. Uma vez na circulação, essas substâncias (em especial a fosfolipase A2) desencadeiam uma síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) –pela amplificação da resposta inflamatória inicia –, havendo, então, agravamento da inflamação pancreática e dos tecidos adjacentes, além do surgimento de manifestações, como taquicardia, taquipneia, febre e hipotensão.
A perpetuação desse processo, que poderá ocorrer em até 20% dos pacientes, está associada a lesões da microcirculação pancreática, gerando isquemia e necrose. Uma série de células e de moléculas participam do intrincado processo inflamatório que determinam a PA grave, caracterizada pela falência orgânica. Evidências clínicas e experimentais têm demonstrado que as citocinas pró-inflamatórias e o estresse oxidativo estão criticamente implicados na patogênese da PA grave. Os níveis de interleucina-1 e de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) estão elevados. Há quimiotaxia de monócitos e neutrófilos, adesão dessas últimas células ao endotélio, bem como ativação de monócitos e macrófagos – neste âmbito há participação importante do NF-kappa-B (fator nuclear kappa-B) na 3ª FASE da fisiopatologia da PA.
3. Quais as causas de PA?
• Litíase biliar (35%-40%), principalmente cálculos < 5 mm
• Álcool (20%-25%)
• Outras causas (20%):
– hiperlipêmica – 2%-5%: (triglicerídeos > 1000 ml/dl)
– pós-colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)
– hereditária
– medicamentosa
– trauma
– autoimune
– hipercalcemia
– infecciosa (por exemplo, caxumba)
– isquêmica
– idiopática (15%)
4. Como é feito o diagnóstico de PA?
O diagnóstico é feito por meio da clínica, do laboratório e da radiologia. Considera-se o diagnóstico quando, pelo menos, dois dos três critérios a seguir estão presentes.
5. Qual sintoma mais prevalente? E quais suas características?
O sintoma mais presente é a DOR ABDOMINAL do tipo pancreática, presente em 95% dos casos.
Características:
• dor em região de epigástrio/mesogástrio que irradia para dorso, em faixa;
• dor opressiva;
• intensa;
• persistente (> 20 min);
• cede, geralmente, somente após analgesia no pronto atendimento;
• desencadeada pela alimentação;
• paciente tem uma posição antálgica típica, que atenua a dor.
6. O que observamos durante o exame físico?
• Paciente encontra-se com fácies de dor;
• pode estar desidratado;
• Febre, presente em cerca de 50% dos casos;
• icterícia – 10%-15 % dos casos (se houver compressão da porção intrapancreática do colédoco pelo edema pancreático ou pela presença de cálculos no colédoco);
• ACV: ↑ frequência cardíaca (FC); ↓ pressão arterial (PA);
• AR: ↑ FR; ↓ MV (processos de atelectasia)/crepitações;
• ABD: ↓ RHA ou ausente (íleo paralítico);
• equimose cutânea – rara;
• distensão abdominal – hipertimpanismo;
• defesa abdominal (40%) – abdômen agudo clínico.
7. Quais os sinais do exame físico abdominal mais importante que NÃO podemos esquecer?
Embora raros e presentes somente nas formas graves da PA (necrotizante), devemos lembrar dos sinais:
• GREY TURNER —- ecmose em flancos (grey —————– turner).
• CULLEN —- Centra l = ecmose periumbilical.
8. Quais as enzimas pancreáticas de grande valor diagnóstico?
• Amilase
• Lipase
9. Dois pacientes chegam ao pronto atendimento e você imediatamente faz o diagnóstico de PA. O paciente 1 apresenta amilase de 600 e lípase de 1000; o paciente 2, amilase de 400 e lípase de 500. É verdade que o paciente 1 está mais grave que o 2?
Não. As enzimas pancreáticas, mesmo muito alteradas, NÃO SE CORRELACIONAM COM A GRAVIDADE DA DOENÇA. As enzimas são empregadas para diagnóstico, mas NÃO para prognóstico!
10. Quais os exames adicionais que corroboram o diagnóstico?
11. Suspeita etiológica: resumindo
12. Quais exames de imagem podem ser úteis no diagnóstico da PA ou da etiologia da PA?
• TC de abdômen com contraste intravenoso (IV).
• RX de abdômen agudo à excluir pneumoperitônio. Achado: alça sentinela, sinal do cut-off.
• USG de abdômen superior à melhor método para diagnóstico de colelitíase.
• RNM à não é superior a TC, útil para coledocolitíase;
• USG endoscópica à pesquisa de coledocolitíase e pesquisa de microlitíases.
13. Qual o exame padrão-ouro no diagnóstico? Quais suas indicações?
O exame padrão-ouro é TC com contraste endovenoso (EV). Na admissão, faremos esse exame apenas se houver dúvida diagnóstica; na pancreatite leve, a TC pode apresentar resultado normal em 15%-30% dos casos.
A melhor indicação é para avaliar gravidade e possíveis complicações.
Ausência de melhora clínica após 72 horas de tratamento intensivo.
Deterioração clínica após a primeira semana de evolução da pancreatite.
Observação
A TC precoce pode subestimar a doença – a necrose pancreática não se estabelece radiologicamente antes de 48 horas.
14. Qual a principal indicação de USG de abdômen superior?
A USG é um exame muito disponível na emergência e, assim como a radiografia, será um dos primeiros exames a serem realizados.
Sua principal indicação é para avaliação das vias biliares, ou seja, verifica se há presença de cálculos na vesícula, microlitíases ou “barro biliar”. Quando esses sinais estão presentes, podemos corroborar nossa hipótese diagnóstica. Como já vimos, mais de 40% dos casos de PA são decorrentes da etiologia biliar.
15. Quais as características da colecistolitíase à USG?
• Formações intraluminais hiperecogênicas, móveis à mudança de decúbito.
• Presença de sombra acústica posterior.
16. Como devemos classificar a PA na atualidade?
Por meio dos Critérios Revisados de Atlanta (2012):
17. Como avaliar a gravidade da Pancreatite?
• Avaliação clínica
Avaliação seriada nas primeiras 24-48 horas à procura de critérios para SIRS:
– após 48 horas, temos o sinal tardio de hemorragia retroperitoneal: Cullen e Grey-Turner;
– paciente com PA grave deve ser reconhecido precocemente e levado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
• Métodos de imagem
Radiografia de tórax
TC de abdômen à mostra necrose pancreática
• Escores clínicos – fisiológicos
RANSON
APACHE II
BISAP
• Marcadores bioquímicos
Hematócrito
Ureia e creatinina
Proteína C reativa (PCR)
Forsmark EC, et al. N Engl J Med. 2016.
IAP/APA acute pancreatitis guidelines. Pancreatology. 2013.
18. Quais as bases do tratamento da PA?
• Reposição volêmica
• Repouso
• Analgesia potente
• Antieméticos
• Dieta zero (inicialmente)
19. Como fazer a reposição volêmica adequada?
A reposição volêmica feita de maneira adequada e precoce reduz a morbimortalidade e as complicações. É a principal medida no manejo inicial da PA. Deve ser instituída nas primeiras 12-24 horas. O atraso na instituição da hidratação, após 24 horas, torna o seu benefício menor e, negligenciar essa “janela de oportunidade”, pode comprometer seriamente o prognóstico do paciente.
20. Como estabelecer o aporte nutricional?
PA leve
• A dieta zero deve ser indicada até o alívio da dor: máximo 2-5 dias.
• Sempre iniciar a dieta PRECOCEMENTE.
PA grave
• Iniciar a nutrição enteral dentro de 3-5 dias de internação -> isso reduz a incidência de sepse em comparação com a nutrição parenteral total (NPT).
• A NPT está reservada para os casos de pacientes que não tolerarem a dieta enteral ou em situações nas quais o valor calórico total da dieta enteral estiver abaixo das necessidades metabólicas previstas.
21. A antibioticoterapia profilática está indicada na PA leve?
Não. A antibioticoterpaia profilática era indicada devido à temida complicação da pancreatite aguda: necrose infectada. Entretanto, os estudos mais recentes e os livros de referência NÃO relatam sua indicação. Ela é ineficaz para a prevenção de infecção da necrose e redução da morbimortalidade, além de se relacionar com formas multirresistentes (fungos e bactérias Gram positivas).
22. Quais as complicações locais da PA?
Devemos suspeitar da necrose pancreática infectada sempre que houver piora clinica após 7-10 dias de admissão. O diagnóstico é feito por meio da punção por agulha fina e métodos de imagem; a antibioticoterapia empírica deverá ser iniciada se houver piora clínica/sepse sem foco definido.
23. Como abordar a necrose infectada?
Métodos minimamente invasivos
• Drenagem retroperitoneal guiada por cateter
• Necrosectomia endoscópica
• Necrosectomia minimamente invasiva retroperitoneal
• Necrosectomia videoassistida
• Necrosectomia aberta
24. Quando indicar a colecistectomia?
PA leve
Na mesma internação – reduz os riscos de recorrência de complicações biliares
PA grave
Deve ser postergada – cerca de seis semanas
25. Quando indicar a CPRE?
Nos casos de PA biliar que apresentem:
• sinais sugestivos de colangite aguda
OU
• sinais de obstrução persistente de vias biliares (icterícia ascendente, enzimas hepáticas colestáticas persistentemente anormais e dilatação persistente do colédoco)
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